segunda-feira, 15 de abril de 2019

PRECISAMOS FALAR SOBRE NICK DRAKE

Um dos mais melancólicos cantores/compositores do mundo se foi jovem, e obteve um reconhecimento bastante tardio

Você já ouviu Nick Drake?

Não é algo fácil, para os corações mais sensíveis.

A obra do eternamente jovem cantor e compositor britânico exige certo distanciamento de nossas emoções mais fortes e ocultas, se não quisermos desabar diante da beleza pungente e etérea de músicas como "Day is Done", "Pink Moon", "River Man" ou "Things Behind the Sun".

O cara era um gênio em tocar sentimentos com sua arte.

Nicholas Rodney Drake nasceu em 19 de junho de 1948, em uma aristocrática família inglesa que já lhe proporcionava um ambiente plenamente musical: a mãe dele, Molly Drake, era uma renomada pianista, violoncelista e cantora. Ele aprenderia a cantar com ela, e antigas gravações guardadas pela família, dos dois ensaiando juntos, apontam a sua voz triste e suave como diretamente herdada da mãe.

Abastado, Drake estudou nos melhores colégios do Reino Unido - dentre eles, Marlborough e Cambridge.


Apesar de desenvolver gosto por esportes e competições de rúgbi nas escolas por onde passou, chegando a vencer uma das modalidades no primeiro campeonato de que participou, Drake logo mostraria ser um garoto muito tímido e recluso. A sua estatura comprida (1,91 m), e o rosto de traços finos e angelicais, lhe conferiam uma aparência exótica, que o deixavam meio desajeitado e sem lugar entre seus colegas. 

A sua dificuldade em se relacionar com garotas também lhe conferia algumas suspeitas de homossexualismo, apesar disso nunca ter sido confirmado por ninguém - ele simplesmente era bastante tímido e calado mesmo.
 Day is Done (1969)

Apesar da insistência para que seguisse uma carreira mais formal e acadêmica, como escritor, professor de literatura ou ator clássico (caminho escolhido por sua irmã Gabrielle, uma de suas maiores incentivadoras artísticas), Drake logo se rebelou contra as escolhas que eram desde cedo impostas pela sua família: apesar da insistência para que se dedicasse a uma formação musical mais erudita, no piano ou violoncelo, o rapaz preferiu mergulhar nos estudos do violão popular, instrumento tido como vulgar e de mau gosto por sua tradicional família.

Os reflexos da desaprovação de seus pais, por seguir uma carreira como cantor e violonista popular, acabariam influenciando o comportamento frustrado e pessimista de Drake por toda a sua trágica vida.

Logo, Drake estaria desenvolvendo um estilo todo peculiar no instrumento, inventando afinações próprias, e se tornando um exímio e genial músico, com uma destreza impressionante, e capaz de cantar e tocar de uma forma que simplesmente hipnotizava todos ao seu redor.


Inspirado pela música barroca, e por velhos bardos e compositores da música campestre e bucólica da Inglaterra vitoriana, Drake se tornou um dos mais legítimos representantes da música folk inglesa - que na época, anos 60, tinha como seus expoentes máximos artistas como Donovan e  Tiny Tim. Nenhum deles, no entanto, com o mesmo talento e genialidade do jovem Drake.

Com apenas 21 anos, após conhecer em Londres o produtor Joe Boyd - que havia gravado bandas como Pink Floyd e Jimi Hendrix Experience - Drake embarca na aventura de gravar o seu primeiro álbum, a obra-prima Five Leaves Left

Era 1969, e Drake havia ingressado no curso de Literatura em Cambridge, mas as suas esporádicas incursões pela vida boêmia universitária, entre uma e outra tragada de erva e goles de vinho, o levavam a tocar em barzinhos onde todos ficavam maravilhados pela sua música, e ele acabou conhecendo gente do meio, como o pessoal do grupo Fairport Convention, de quem se tornou grande amigo.

O primeiro disco é então lançado mas, para decepção geral de Drake e seus colegas, fracassa nas vendas. Era como se o fantasma de sua família prenunciasse uma maldição para que ele não fizesse sucesso, apesar das canções belíssimas.

 River Man (1969)

Também não ajudava muito a postura intimista do cantor - avesso a entrevistas e campanhas de divulgação, ele também não era lá muito chegado em se apresentar ao vivo, o que só fazia com grandes insistências, e não raro seus shows contavam com apenas cinco ou seis músicas, visto que, além de introvertido, Drake era perfeccionista ao extremo, capaz de parar por demorados minutos entre uma canção e outra apenas para afinar o seu violão, até conseguir chegar ao tom exato para suas performances. 

Também costumava, certas vezes, cantar de lado ou de costas para o público, e sempre preferindo palcos mal iluminados, na penumbra.

A maioria das pessoas que conheceu Drake em vida fala veementemente sobre a absurda aura misteriosa em torno do cantor, um cara lacônico e que, apesar de muito cordial e sorridente certas vezes, sempre parecia esconder algo terrível em seus pensamentos, sobre os quais ele absolutamente não gostava de falar. "Nunca dava pra saber no que Nick realmente estava pensando, e ele era muito calado", relatou uma vez sua irmã Gabrielle, a maior encorajadora de sua carreira musical, e que até hoje cuida do legado dele.

O que poucos sabiam, mas que com o passar dos meses e a falta de sucesso em sua empreitada artística, logo ficaria evidente, é que Drake era um dos primeiros grandes artistas da era pop moderna atingido por um mal secular, e hoje amplamente descoberto e debatido, mas que na época não era tão comum de se comentar: ele era depressivo.

De certa forma, o descontentamento com a sua arte (e a falta de reconhecimento da mesma) atingiria novos patamares após a gravação de seu segundo LP, Bryter Later, lançado no ano seguinte, 1970.

Apesar de ser considerado uma evolução natural do som do disco anterior, só que com uma produção mais robusta e instrumentalizada - bateria, baixo, pianos, e até instrumentos de sopro puxavam o álbum mais para o lado do soft jazz - Later foi considerado muito comercial pelo próprio Drake, que apesar de perseguir o sucesso, não queria se render às fórmulas fáceis das músicas feitas para tocar nas rádios.

Ele preferia mais o seu som simples, calcado em voz e violão apenas.

O álbum teve uma performance nas paradas um pouco melhor do que o primeiro disco, mas ainda apresentava uma eminência muito parda de todo o êxito que Drake merecia ter.

A Inglaterra, bem como o restante do mundo, naquele momento, estava vivenciando a última fase dos Beatles, bem como as experiências sonoras modernas de bandas pop e progressivas, e pareciam não dar muita atenção para o tom intimista e sereno da voz grave de Drake e seu violão.

Bastante decepcionado por não estar "acontecendo", Drake começa um lento e tortuoso processo pessoal de isolamento público. Cada vez mais viciado em maconha, e algumas vezes apresentando um comportamento que sugeria a sua viagem sem volta para um outro "mundo", o cantor começa a sair cada vez menos de seu apartamento em Londres, tornando-se um recluso. Os shows escassos, que já não eram muitos, praticamente desaparecem. Em uma de suas últimas apresentações ao vivo, em 1971, Drake simplesmente abandona o palco na terceira música, "Fruit Tree", por achar que o público não está prestando atenção nele.

A espiral depressiva na qual o músico entra é vertiginosa e parece não ter fim.

Um dos seus amigos relata que, por essa época, nunca vira alguém consumir tanta maconha quanto Drake. "Eram quantidades absurdas. E você falava as coisas com ele e era como se estivesse falando com ninguém". 

Alguns sintomas da profunda psicose auto-destrutiva que o haviam tomado sugeriam que ele havia entrado em um caminho sem volta - caiu em descrédito com o pessoal de sua gravadora, a Island Records, que o consideravam cada vez mais neurótico e longe da realidade.

Duas passagens melancólicas sobre o final da carreira de Drake explicitam bem isso: quando ele gravou o seu último LP, o fenomenal Pink Moon, ele entregou as fitas master com a pré-produção sobre o balcão da secretária da gravadora, com um bilhete pedindo para que fossem finalizadas. A moça nem bem percebeu, e o pacote ficou lá abandonado durante mais de duas semanas, tamanho o desdém com que passaram a tratar Drake. 

 Northern Sky (1970)

E em algumas noites, o cantor passou a escolher números de telefone a esmo, no catálogo telefônico de Londres. Ligava aleatoriamente para pessoas, fingindo estar fazendo uma pesquisa para a rádio, perguntando se já haviam escutado em algum lugar as músicas de um cantor chamado Nick Drake... Que coisa triste.

Em 1972, então, sai o terceiro e último disco do cantor, Pink Moon, mais uma vez com canções belíssimas e sentimentais, e mais ao estilo dele - arranjos mais simples, sem muitos instrumentos, e centradas na pureza da interpretação.

Mais uma vez, a repercussão pífia das baladas poéticas do cantor o induzem ao mais severo período depressivo de sua vida - o último.

Para se ter uma ideia, Drake fica totalmente desiludido com o mundo da música, pensa em abandonar tudo que vivera até ali, e voltar para o interior. Ele cogita estudar e se preparar para outra carreira, tentar algo na área da contabilidade, ou engenharia, quem sabe. Empacota as suas coisas, e no final de 1973, volta para morar na casa dos seus pais.

 Pink Moon (1972)

Porém, a sua apatia e mau humor são tão intensos, que a família do cantor, preocupada com o seu estado psicológico, encaminha Drake para sucessivos tratamentos contra a depressão. Ele passa a tomar remédios fortes para controlar o desespero e a ansiedade - mas o seu vício pela maconha já havia se intensificado muito nesse período, e ele continua se drogando, mesclando os efeitos da erva com os das drogas de farmácia, numa perigosa e decadente mistura.

Na fria madrugada do dia 25 de novembro de 1974, enfim, acontece o inevitável: a mãe de Drake vê o filho indo do seu quarto para a cozinha da casa pela última vez, para buscar mais alguns remédios, pois não conseguia dormir. Algumas horas depois, já de manhã, ela percebe que o rapaz está demorando muito para descer para o café. Sobe as escadas e, de longe, já avista no quarto as suas longas pernas estiradas sobre a cama. Ele está deitado em uma posição desleixada, e não usual. 

Ela se aproxima e, apavorada, chama familiares e vizinhos, que confirmam a triste constatação: o corpo de Drake jaz inerte. Já não se detecta pulso, ou respiração.

Ele está sem vida.

Drake tinha apenas 26 anos.


Uma perda lamentável ocorrida pela falta de reconhecimento da mídia, burra e patética, de um artista de plena capacidade em sua época, apesar de todas as suas excentricidades.

A música de Nick Drake é linda, e magistralmente emotiva e atemporal. Quando ele canta calmamente sobre os mistérios do campo e da natureza, sobre o amor não vivenciado e as mazelas da alma, é de uma profundidade que bate doído dentro de qualquer pessoa que já tenha experimentado o que é sofrimento na vida. Não é preciso exatamente entender as suas letras (apesar delas serem também mágicas, especiais), basta ouvir e sentir! - a linguagem da arte de Drake é universal, pois expressa a dor do ser humano que derrama lágrimas ocultas, nascidas das esperanças guardadas no lado esquerdo do peito.

Com o passar dos anos, assim como acontece com tantos outros artistas, um culto silencioso e crescente em torno do nome Nick Drake foi se alastrando pelo mundo, numa divulgação boca a boca e viral entre admiradores da boa música folk e pastoral, que foi tomando proporções assustadoras, e só veio a aumentar com o advento da internet e redes sociais, propagando um mito que era dado como esquecido.

Quem diria: morto, Drake começou a vender como água... 

Centenas e centenas de bandas recentes - do R.E.M. e Radiohead, ao nosso Legião Urbana, e várias outras - reconheceram e pagaram tributo, seja através de covers ou declarações, à arte negligenciada de Nick Drake. E os maiores semanários e publicações contemporâneas sobre arte e música jovem, dos anos 80 em diante, foram unânimes em apontar os 3 registros feitos por Drake em vida, como alguns dos melhores discos já lançados no século XX - fazem parte da coleção dos 50 melhores álbuns de música pop da revista Rolling Stone.

O merecido mas tardio reconhecimento, enfim, para um dos mais melancólicos cantores e compositores que o mundo já conheceu.
O túmulo de Nick Drake, onde as suas cinzas estão enterradas - Cemitério de Saint Mary, em Tanworth-in-Arden, Inglaterra.