segunda-feira, 30 de julho de 2018

PEDRAS QUE ROLAM


Eles, na flor da idade: da esquerda para direita, Mick Jagger (vocais), Bill Wyman (baixo), Brian Jones (guitarra), Keith Richards (guitarra), e Charlie Watts (bateria)

Para um blog como este, que gosta de falar de emoções que nos fazem sentir mais vivos, estava faltando começar a falar no tal "roquenrol". E nada melhor do que os míticos Rolling Stones para dar um pontapé inicial nisso. Autoriza o árbitro!

Vivo repetindo isso: se tem alguém em quem toda a geração de pessoas mais velhas no mundo deveria se inspirar, para tocar o restante da vida com vigor e originalidade, é nesses caras. Na idade em que estão, e ainda dominando um palco, são a prova viva de que juventude é algo mental, e bem mais espiritual do que física!

Das duas maiores bandas do gênero que já existiram - os Beatles e os Rolling Stones, ambas dos já ancestrais anos 60 do século XX - posso me orgulhar de já ter assistido ao vivo pelo menos uma, a segunda. E justamente a mais rock, em termos de filosofia de vida e simbolismos do estilo.
Eu e maninha, depois do 'esquenta' (shots de tequila e Heineken, rs) e já dentro do estádio, show começando a rolar...

Mick Jagger já foi considerado um dos caras mais feios do mundo, mas também um dos mais espertos e sensuais. E isso diz muita coisa. No final das contas, beleza é apenas um detalhe: mesmo quem tem, um dia acaba. Inteligência e talento para ganhar dinheiro atraem e valem muito mais.

Hoje, ele tem fama de pé frio nos mundiais da Copa. Tudo bem, it’s only zoeira but I like it.
Na atualidade

E na quase totalidade de sua existência sob o comando do cara (descontando o curto período inicial em que o líder deles era o tresloucado Brian Jones), os Stones se transformaram em uma daquelas máquinas midiáticas de extremo sucesso e eternizadas na mitologia pop.

Ah, é claro… tem a magia também do vampirão Keith Richards, o guitarrista parceiro endiabrado de Jagger, que é sua verdadeira antítese - debochado, desleixado, um cara que já virou uma entidade sobrenatural do rock de tanta doideira que aprontou, e parecendo que morreu e esqueceu de cair, mas ainda a verdadeira força musical dos Stones, autor de alguns dos mais potentes acordes do planeta.

A seguir, alguns dos momentos mais marcantes dessas pedras que rolam já há mais de 50 anos sobre a Terra!

1965 - A histórica segunda turnê pelos EUA:

A primeira viagem deles para tocar na terra de Tio Sam, em 1964, na esteira dos Beatles e acompanhando todas aquelas outras bandas inglesas da Invasão Britânica, fora algo próximo do desastre - com falhas de organização devido à pressa do empresário louquinho Andrew Loog Oldham, cumprindo várias datas em verdadeiros cafundós do Centro Oeste americano, sendo agredidos por caipiras e se apresentando em alguns shows de TV bregas (como o do cantor cafona Dean Martin, onde também foram hostilizados), os Stones ainda eram uma banda sem um grande hit, não tinham “aqueeele” sucesso, e os EUA ficaram devendo uma recepção mais calorosa aos então garotos. Mas a ficha virou no ano seguinte: em 1965, a contagiante “I Can’t Get No Satisfaction” se tornou o hino deles, até hoje sua canção mais famosa, e arrebentou do outro lado do Atlântico, levando os Stones a desfrutar todo o prestígio que os Beatles já haviam antes experimentado.

1966 - O primeiro álbum com material próprio, ‘Aftermath’:

Na metade da década de 1960, era consenso entre as bandas inglesas que o repertório em que trabalhassem deveria ser composto de uma boa quantidade de covers, versões de grandes sucessos do blues e soul norte-americanos antigos, e algumas composições próprias, onde podiam mostrar alguma coisa mais original. Quem mudou essa temática foram os precursores Beatles, que passaram a lançar LPs cada vez mais contendo composições autorais, e deixando de tocar músicas de outros artistas, de 1964 em diante. Assim, era natural que os Rolling Stones seguissem a onda - sempre “afrontando” o que os rapazes de Liverpool faziam, mas rivalizando na base da brincadeira (eram amigos deles). O disco Aftermath, de 1966, foi o primeiro álbum inteiro dos Stones com material próprio, e representou uma grata surpresa para aqueles que imaginavam que eles não conseguiriam se sustentar como artistas originais: músicas de forte temática crítica aos costumes e valores sociais da época, falando sobre frivolidade feminina (“Stupid Girl”), liberdade sexual (“Under My Thumb”), paranóias da classe média (“Mother’s Little Helper”), e inovando até no instrumental, com a beleza vitoriana da bucólica “Lady Jane” e os improvisos do longo e satírico blues “Goin’ Home”. O rock cáustico característico da dupla de compositores Jagger/Richards (fazendo frente a Lennon/McCartney) põe as manguinhas pra fora, mas também se sobressai o inconfundível ecletismo do guitarrista Brian Jones, o líder original do grupo, ao se desdobrar em vários instrumentos e compor arranjos geniais.
Under My Thumb

Lady Jane

1967 - A primeira prisão por porte de drogas
Jagger indo pro xilindró

Entendamos que eles foram revolucionários. Entendamos que eles foram à frente de seu tempo. Numa época em que desbunde lisérgico era uma forma de protesto contra as autoridades, e usar entorpecentes e substâncias alucinógenas ainda era apenas uma “experiência” para expandir a mente (e não um passatempo fútil de um bando de iletrados e gente sem cultura e sem capacidade de entender suas consequências), a dupla Jagger-Richards chegou junto na malandragem, e foram os primeiros a ser perseguidos pela mídia britânica sensacionalista e sedenta de escândalos, que espionou as casas dos dois e dedou para os meganhas da polícia inglesa irem lá acabar com a festinha - com chuva de fotos dos paparazzi rolando geral. Os maiores bafos também foram inventados para ‘causar’ e gerar mais polêmica - tipo Mick Jagger pego em flagrante com uma barrinha de chocolate estrategicamente inserida em sua namorada na época, pra fazer sexo oral. Mas a cana foi feia pros dois, especialmente Keith Richards, que sempre teve mais pinta de marginal e passou umas boas noites em Wormwood Scrubs, uma das penitenciárias mais barra pesada da Inglaterra. No final das contas, uma verdadeira campanha popular formada por fãs, amigos, outros músicos, e uma grande parte da sociedade britânica, revoltados com a perseguição aos dois, conseguiu influenciar a opinião pública e reverter o resultado do julgamento, e eles ganharam a liberdade após alguns dias.
O dia do  julgamento

1968 - 'Simpatia pelo demônio'

Ao tomarem conhecimento de que os Beatles estavam gravando um álbum em que eles voltavam à instrumentação básica do rock, depois das experiências psicodélicas de discos anteriores (o White Album, que sairia em novembro de 68), os Stones resolveram também adotar a premissa de um som mais simples e primitivo, o que resultou na consolidação definitiva do estilo deles de tocar. Com algumas ideias esparsas em mente sobre folk, o blues e o country americanos mais puros, e até mesmo as raízes africanas do samba (estilo musical que Jagger e Richards descobriram e acharam super interessante, em uma visita rápida ao Brasil), eles entraram no estúdio para perpetrar uma de suas maiores obras primas: o discaço Beggar's Banquet (lançado em dezembro daquele ano). Uma das primeiras faixas gravadas, o visceral rock "Jumping Jack Flash", até hoje um dos carros chefes da banda, se despregou do conjunto e saiu como compacto, algumas semanas antes. Mas a força de músicas magistrais como "Parachute Woman", "Jigsaw Puzzle", a delicada "No Expectations", e o hino de revolta estudantil "Street Fightin' Man", sustentavam todo o conjunto do LP, que abria com o tal petardo inspirado no ritmo do samba, resultado de longos experimentos durante as gravações, registradas pelo cineasta francês Jean-Luc Godard, no filme de mesmo nome: a matadora "Sympathy for the Devil". Até hoje, por conta dessa música e sua letra sarcástica (uma brincadeira de Jagger com os simbolismos pagãos e hedonistas da época), muita gente considera os Stones satanistas.
Jumping Jack Flash

1969 - A morte de Brian Jones e o concerto no Hyde Park

Em 3 de julho de 1969, o corpo do guitarrista original e fundador dos Rolling Stones foi encontrado boiando inerte em sua piscina, na imensa propriedade campestre Cotchford Farm, condado de Sussex. A passagem de Brian Jones nunca foi bem esclarecida, e continuará permeando a história dos Stones como um dos grandes mistérios não revelados do rock n’ roll - muito se fala sobre uma festa na noite anterior em que Jones teria chamado o próprio pessoal que trabalhava na reforma da casa para beber, e que ele teria sido afogado por um deles após uma discussão. Ou que teria morrido de alguma overdose, e depois o atiraram na piscina. A autópsia do músico era inconclusa, pouco ou nada revelava sobre o óbito. De qualquer forma, o fato triste e chocante é que o cara rebelde, impetuoso e excêntrico, que teve a revolucionária visão de montar uma banda nas bases do mais tradicional blues, e depois o combinar com outros gêneros em um som bombástico e vibrante, estava agora morto. Apenas um mês antes, sua saída dos Stones já havia sido anunciada - fora praticamente expulso da banda, por conta de sua irremediável entrega ao vício do álcool e drogas pesadas, que haviam minado a sua performance tanto nos palcos como nos estúdios. A notícia de sua morte, sempre carregada pelas suspeitas dele ter ficado depressivo em seus últimos dias, não deixou de causar certo constrangimento e arrependimento nos colegas de banda. “Sim, foi um baque quando soubemos do seu falecimento, e sentíamos que havíamos o apunhalado pelas costas quando pedimos para ele se retirar do grupo”, diria Keith Richards. Assim, como um forma de homenagear Jones, e ao mesmo tempo retornar aos palcos de modo triunfante - os Stones não se apresentavam ao vivo desde 1967, atordoados pelos problemas com a justiça - a banda realizou o lendário concerto de despedida ao ex-membro no Hyde Park, em Londres, em 5 de julho de 1969. Um momento histórico, eternizado em imagem e som no filme Stones in the Park.
O show no Hyde Park (1969)

Satisfaction - no Hyde Park

1969 - O trágico concerto de Altamont

Para os membros originais do grupo, até hoje, o mais sombrio e sangrento capítulo de sua história. Em 6 de dezembro de 1969, os Rolling Stones organizaram, no autódromo de Altamont (Califórnia, EUA), um mega concerto gratuito, ao ar livre, que seria uma forma do grupo agradecer aos fãs que os prestigiaram em sua última turnê de retorno aos palcos americanos, bem como servir de resposta ao Festival de Woodstock, realizado cerca de quatro meses antes, e que havia sido um sucesso fenomenal. Para não ficar atrás, os Stones chamaram outras bandas amigas para tocar também, fazendo a abertura do evento (Flying Burrito Brothers, Grateful Dead, Jefferson Airplane). Entretanto, para a segurança do evento (e de forma a não gastar muito dinheiro com ela), tiveram a péssima ideia de contratar a gangue de motoqueiros barra pesada Hell’s Angels - caras que notoriamente não iam nem um pouquinho com a cara dos jovens hippies que lotavam em massa os shows de Jagger e cia., na época. Saldo: pancadaria desmedida, bebedeira e overdoses na platéia, e quatro mortes, uma delas sendo o assassinato do jovem negro Meredith Hunter pelos Angels, a poucos metros do palco, onde a banda executava “Under My Thumb”.


Flashes antes e no momento em que Meredith Hunter (de verde) é esfaqueado durante o show

1971 - A consagração de Mick Taylor em Sticky Fingers

Em meio ainda a toda a tribulação causada pelo show de Altamont, e morrendo de medo de novos problemas com a lei por conta disso, os Stones passam todo o ano de 1970 preparando o seu próximo lançamento, trabalhando em várias ideias de músicas incompletas e que haviam sido deixadas para trás, e procurando dar um reinventada no seu som em estúdio com a ajuda do guitarrista substituto de Brian Jones, o virtuoso e precoce Mick Taylor - um bebê perto dos outros caras, com apenas 21 aninhos. Reunindo um conjunto de canções poderosas, encorpadas com o auxílio das seis cordas do novo colega, eles lançam outro grande disco de sua carreira em 1971: Sticky Fingers, o famoso álbum da polêmica foto de "calça com volume", feita pelo lendário artista multimídia Andy Warhol. Só música clássica: "Moonlight Mile", "Sway", a emocionante "Wild Horses", "Can You Hear Me Knocking" com seu ritmo latino quente, e a sacana "Brown Sugar", dentre outras.
 Mick Taylor

1972 - Exile on Main Street: o exílio na França

Mega visados pelo mega imposto de renda da terrinha de Vossa Majestade, os Stones viam suas riquezas indo pelo ralo não só por causa da ladroagem de seus primeiros empresários, mas também por conta do fisco. De forma a dar uma controlada nas contas, e também respirar novos ares para produzir o seu novo álbum em 1972, a banda procura refúgio na França, numa belíssima mansão alugada por Keith Richards em Nellcote Ville, onde passam a produzir em ritmo louco e desregrado, trocando o dia pela noite e entupidos de birita e variadíssimas substâncias. O fruto disso seria um disco duplo, considerado até hoje a melhor obra gravada pelos Stones, que os consagraria como “a maior banda de rock n’ roll do mundo”: Exile on Main Street. Pérolas como “Tumbling Dice” (que puxaria as vendas), “All Down the Line”, “Sweet Virginia”, “Happy” e “Soul Survivor” estão entre algumas das mais poderosas entregas do grupo. O álbum rivaliza apenas com o célebre Beggar’s Banquet, de 1968, como o mais irretocável da discografia stoniana, e daria origem a uma das mais barulhentas e bem-sucedidas turnês do grupo.
Tumbling Dice

1973 em diante - O lançamento de “Angie” e a conversão dos Stones em banda “pop festa”

O lançamento seguinte a Exile, em 1973, apresenta ao mundo uma virada no estilo do grupo: conduzido pela linda e lírica balada “Angie”, o álbum Goat’s Head Soup começa a mostrar os Stones suavizando e diversificando o seu som, no que para muitos passaria a soar como uma banalização do rock mais puro e selvagem que faziam. Passam a se tornar uma banda mais frequente nas colunas sociais, no jet set de estrelas internacionais e festas nababescas de milionários famosos, e os discos que se seguem passam a mostrar o grupo como uma quase caricatura de si mesmos, ricaços do rock and roll: It’s Only Rock n’ Roll (1974), Black and Blue (1976, onde flertam com o reggae), e Some Girls (1978), onde chegam até a lançar um hit da era discoteca, dançante! - a famosa “Miss You”. É a fase pop festa dos Stones, que acaba representando uma certa acomodação criativa deles, fazendo um som mais fácil e popular para tocar nas rádios.



Angie

1977 - A definitiva “quebrada na cara” de Keith Richards

É na turnê de 1977 do grupo que ocorre a famosa “quebrada na cara” definitiva de Richards, que acaba colocando um ponto final em suas proezas absurdas com as drogas e a justiça. Viciado de carteirinha, ele acabaria sendo pego pela polícia do Canadá com uma quantidade enorme de cocaína, que o enquadrava como traficante. A partir do enrosco com as pesadas leis do país, Richards resolve dar um basta na coisa e, depois de pagar uma fiança caríssima e os melhores advogados do mundo para soltá-lo (numa missão quase impossível para a época), nunca mais se ouviria falar de seus bodes com entorpecentes. Ele realmente estava tão louco nos concertos, que filmagens da época e relatos de fãs são taxativos em afirmar que ele não estava bem, e a qualquer hora poderia ter um piripaque em pleno palco, de tão alucinado. Ele jura que dali em diante pegou leve, sempre pisando no freio. Vai saber...

 Keith Richards doidão no Canadá (1977)

1981 em diante - As sucessivas mega-turnês mundiais

A partir de 1981, com a carreira já bem estabilizada, e a adoção do boa praça Ron Wood como definitivo segundo guitarrista do grupo (Mick Taylor havia pulado do barco em 1975), o que se vê é a carreira dos Stones se convertendo para serem uma banda clássica do rock, no estilo dinossauros que lançam algum disquinho por volta de dois em dois anos, só pra dar uma arejada com algum hit novo para as rádios, e acabam segurando seu nome mesmo é como grupo ao vivo, sempre tocando os sucessos inesquecíveis e tentando se reinventar no palco. A histórica turnê Still Life de 1981, puxada pelo hit “Start Me Up”, e com um número absurdo de datas de shows, com um vigor inabalável, é apenas a primeira de muitas que irão sedimentar a carreira da banda como, essencialmente, totens ao vivo. A marca Rolling Stones, com a famosa logomarca da linguinha pra fora, se consolidou a partir dessa época como uma autêntica empresa de mega turnês mundiais, com uma estrutura impressionante de palco, som e luzes, para devastar qualquer lugar por onde passem com seus shows - e é assim que continuam tocando sua duradoura carreira até hoje, apesar de algumas brigas e separações ao longo dos anos, mas sempre seguidas por reconciliações que levam a mais e mais turnês. Aos poucos se tornaram “vovôs do rock”, mas que revigoram suas energias e voltam a se tornar moleques nos estádios da vida, em cada palco onde sobem para fazer barulho para milhares de pessoas. “O que fazemos não é música, você não pode considerar isso música. Fazemos barulho”, já pregava um ainda jovem e sábio Mick Jagger, lá pelos idos de 1965.
Ronnie Wood

Wild Horses ao vivo em 1976 - com Wood improvisando bonito no solo!

2005 em diante - Os históricos shows no Brasil!

E aqui chegamos ao final comentando aqueles momentos históricos que, pelo menos para nós aqui da terrinha, são mais históricos ainda: as passagens das pedras rolantes pelo Brasil! Foram quatro, até hoje: a primeira e triunfal vinda, em 1995, em que abalaram as estruturas do Maracanã, no RJ; a segunda, em 1998, como parte da turnê One Plus One, que contou até com palhinha de Bob Dylan cantando “Like a Rolling Stone” com eles, e que foi quando o Sr. Jagger acabou fazendo um filho numa tal de Luciana Gimenez; a terceira, em 2006, com o lendário show gratuito que deram para 1 milhão e meio de pessoas na praia de Copacabana, batendo recorde de público; e a última, em 2016, em que este que humildemente vos escreve compareceu na apresentação deles no Morumbi (SP), no que foi, simplesmente, o melhor show da minha vida até o presente momento.

sexta-feira, 27 de julho de 2018

CARTA PARA UM AMOR PERDIDO





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segunda-feira, 23 de julho de 2018

FEITIÇO DE MULHER


Os primórdios da bruxaria remontam à época medieval das Cruzadas, quando a Igreja Católica influenciou principados a tomar e dominar reinos em nome do cristianismo - infelizmente, provocando alguns dos maiores banhos de sangue da história humana sob a égide da igreja católica.

Mas relatos ligados às práticas místicas das bruxas podem ser encontrados em épocas bem anteriores, inclusive na Grécia Antiga e no Império Romano a.C.

Basicamente, a bruxaria originou-se nas primeiras aglomerações femininas da humanidade, em eras muito remotas, quando diversas crenças milenares e politeístas ainda caminhavam sobre a Terra, e cimentou fortes bases no folclore e nas tradições nórdicas e celtas, em povos que foram os últimos a ceder à pressão dos papas para que o mundo fosse unificado em torno da crença em um só deus (monoteísmo), antes da Era Moderna.

Com o advento do cristianismo através da igreja católica, a inevitável perseguição às bruxas - cujos conhecimentos representavam uma ameaça para a nova ordem religiosa estabelecida - fez com que buscassem refúgio na Wicca, religião neopagã arraigada na cultura da Europa Ocidental, uma das únicas que preservaria os princípios físicos e naturais das antigas religiões politeístas, de ligação com as divindades da natureza (ciclos de vida para o plantio e a colheita, fases da lua, e os festivais sazonais popularmente conhecidos como sabás).

A clássica imagem da bruxa sempre despertou fascínio em todos aqueles que, alguma vez, já se enveredaram nos estudos do ocultismo e dos saberes pagãos e, ao contrário do que muitos podem pensar em consonância com a cultura popular (ou vulgar), “bruxa” não é uma senhora velha, feia, e desdentada, de chapéu pontudo e vassoura na mão, que fica urdindo feitiçarias em um caldeirão.

As verdadeiras bruxas, em verdade, são seres muito mais interessantes, exóticos (ou eróticos?) e sofisticados do que nossa vã filosofia pode conceber. Sua autêntica cultura tem mais a ver com o culto ao poder, os dons e a sabedoria natural da mulher (instinto, “sexto sentido”), bem como suas nítidas ligações com as forças telúricas. Todas atendem ao chamado cosmicamente íntimo, da ancestral e irrepreensível mãe natureza: a Mãe Terra.

São cultuadas 3 divindades básicas que, juntas, compõem a deidade feminina tríplice, que rege a vida de uma mulher do início ao fim: Jovem, é a mulher nova, que ainda não pariu, e é representada pela lua crescente; Mãe, é a mulher que já tem a experiência da maternidade, e é representada pela lua cheia; e Anciã, a deusa que possui filhos ou filhas que já entraram para o ciclo de renascimento, ou seja, já geraram também outros seres, representada pela lua minguante.

Todas elas recebem as saudações de mestres e aprendizes durante a noite, nas danças realizadas ao redor da fogueira.

Para os celtas, havia um simbolismo muito forte em torno da figura feminina: em um mundo antigo, onde a cultura machista ainda predominava de modo absoluto, é interessante notar como, dentre eles, a mulher era respeitada, pois era um ser que sangrava todo mês, e não morria.

Assim, no conceito milenar das bruxas, a mulher não é um sexo frágil.

Mas também, não há que se falar em sexo forte ou sexo frágil, pois para a tradição bruxa, cada um tinha o seu poder peculiar e a sua representação vital (o masculino e o feminino), e eram como as duas metades essenciais para se formar o todo do ser humano sobre a Terra - conceito filosófico que basicamente reaparece nas tradições orientais e cabalísticas, e no Yin-Yang da cultura chinesa taoísta: um habita no outro, e são inseparáveis, onde Yin é o princípio feminino e noturno - é a mulher, representada pela escuridão, pela noite e seus mistérios. E Yang é o princípio masculino, diurno - o homem é a luz, o dia, a atividade intensa e transparente.
O símbolo do Yin-Yang: o claro representa o homem, mas a mulher está nele. O negro representa a mulher, mas o homem está nela

Da mesmíssima forma, na cultura céltico-druida, o homem era o representante do dia, o avatar da pesca e das caças, da força bruta e da razão, da luta pela sobrevivência e do uso de ferramentas, brigas e discussões políticas, sempre o lado prático. Vencia pela força e pela voz, os braços e a ira.

A mulher, por sua vez, era a representante da noite, de sua sensibilidade, desejos e mistérios, sempre intuitiva e passional, mestra nas tradições de mãe para filha, e na manipulação de alimentos e remédios, conhecedora das artes de cura. Vencia pela emoção e o silêncio, os olhares e o amor.

Dessa forma, já começa a se desenhar nessas sociedades primitivas um papel que será sempre próprio das bruxas - as guardiãs de uma sabedoria mística poderosa, e inacessível à raça masculina. Detentoras das canções, preces e sortilégios!

E quando falamos em simbolismos, há que se destacar nesse detalhe um dos fatos mais cruciais em relação às tradições pagãs: o caldeirão, esse instrumento de trabalho tão caro ao exercício feiticeiro, para os praticantes da wicca, não pode nunca ser manipulado por um homem, por mais bruxo e conhecedor do ocultismo que seja. Nas tradições telúricas, o caldeirão é o útero - só a mulher conhece realmente o seu conteúdo, os seus temperos e cozimentos, o seu mistério.

Assim como ocorre com o caldeirão, outros simbolismos básicos da vida de uma bruxa nasceram em decorrência da perseguição sofrida por elas durante o período da Santa Inquisição, quando foi registrado o maior número de mulheres queimadas vivas na história da humanidade - e muitas delas apenas por suspeitas, sem que os padres ou sacerdotes conseguissem ao menos comprovar que realmente realizassem mandingas ou proezas sobrenaturais, naquele que se configurou como um autêntico genocídio abominável, em uma série de processos bárbaros e injustos, que mancham até hoje a reputação da Igreja Católica Apostólica de Roma.
Representações artísticas em quadros e afrescos sempre retrataram as bruxas sob um viés sombrio e maligno

Muito do que compõe a trajetória das bruxas, na humanidade, se ergueu na base do puro mito. Eram mulheres como quaisquer outras, que vemos e conhecemos em nosso dia a dia!

Para escaparem da Santa Inquisição, entretanto, elas se viram forçadas a criar códigos para que pudessem se comunicar entre elas sem correr perigo, e foi justamente isso que originou uma série de crendices em torno dos hábitos e rituais das bruxas.

Por exemplo:

a) Vassoura - a mais pura representação de que a “bruxa”, na verdade, era casada, ou tinha um romance, interesse amoroso fixo, por um homem. A vassoura era um símbolo do poder da mulher no casal, pois conjugava a energia masculina (no cabo, madeira) com a energia feminina (na palha), assim formando a união homem-mulher no intuito de “limpar a sujeira da terra”, “manter a casa limpa”. Ou seja, simbolizava que a harmonia no casal criava um equilíbrio cósmico, e mantinha o lar protegido contra invasões, olho gordo, moléstias e males externos. Era um ícone do poder feminino sempre presente nos encontros de bruxas - reuniões noturnas e sabás ao luar. À medida em que os soldados das Cruzadas passaram a tomar conhecimento dessas reuniões, e observá-las de longe para contar aos sacerdotes da Inquisição sobre quem participava, criou-se o mito de que as mulheres eram feiticeiras e usavam suas vassouras para fazer magias e levitar - quando, na verdade, apenas estavam as utilizando como representações do homem, em suas danças.

b) Ingredientes ‘mágicos’ - é comum, em histórias de bruxas, ouvirmos falar em receitas utilizando “asas de morcego”, “olhos de lagartixa”, “pele de cobra”, e outros elementos de caráter repugnante. Nada mais eram do que códigos que as próprias bruxas criavam e estabeleciam, entre si, de receitas comuns, como bolos, sopas, pães, caldos, e demais iguarias, deliciosas e especiais, mas de preparo altamente secreto, visto que para elas o conhecimento acerca do prato perfeito sempre foi uma das coisas mais caras e importantes de sua tradição. Através da receita correta, podiam conquistar, seduzir, induzir, fazer nascer ou fazer matar - compunham uma arma de manipulação da psique e do desejo masculino tão potente e interessante quanto o sexo. Nesse sentido, também detinham o conhecimento sobre diversos pratos afrodisíacos! Assim, muitos ingredientes comuns, como o alho, gengibre, canela, diversas carnes, e variados tipos de temperos e ervas, recebiam esses “apelidos” estranhos, para disfarçar o real conteúdo das receitas. Já ouviu falar que o peixe morre pela boca? Pois é, esse ditado popular era levado super a sério pelas bruxas - o peixe geralmente era o homem.

c) Gato - Eternizou-se a imagem do felino como o animal doméstico preferido das bruxas, especialmente o preto - mais uma crendice desenvolvida com base na figura noturna da mulher, naqueles tempos. Mas os gatos passaram a se tornar interessantes para várias mulheres acusadas de bruxaria na era Medieval por um motivo muito simples e prático: são animais mais livres e independentes, que não demonstram tanto apego e carência como os cães. Em decorrência das diversas vezes em que uma mulher acusada de bruxaria tinha que “sumir” - se mudar, ou fingir que se mudava por uns tempos de sua residência e depois voltar, para despistar os algozes da Inquisição e não morrer na fogueira - era penoso para muitas delas ter que manter um animal de estimação mais dócil e presente, como o cachorro. Então, a escolha inevitavelmente recaía sobre os gatos, que também debandavam, mas depois sempre estavam de volta por ali, sem necessitar tanto dos cuidados de suas donas.

Injustamente marcadas pelo estigma histórico como “vilãs”, ou criaturas do mal, em mais um reflexo grotesco deixado pelos paradigmas católicos, as bruxas e suas influências remanescem notavelmente, ainda nos dias atuais, em uma grande parte das representantes do sexo feminino.

Irresistivelmente fascinante o encanto que certas mulheres exercem não só com a expressão de seus pressentimentos, gracejos, maquiagens ou dotes culinários, mas também com os seus olhares, seus sorrisos, vozes, e os mais sutis gestos, seja num jeito de andar com rebolado lento e charmoso, seja ao mexer manhosamente nos cabelos.

O poder das ancas que abarcam no campo de visão masculino, os quadris e nádegas se movendo em uma dança natural e convidativa enquanto caminham, bem como o leve desembaraçar de longos fios que correm nas costas (e às vezes batem na cintura) são reminiscências femininas que remetem às danças ancestrais sob a luz da lua, e mexem com a libido de qualquer homem de verdade, atiçam maravilhosamente.

A paixão e desejo dos homens pelas mulheres tem formado, ao longo de séculos da existência humana, um complexo mosaico histórico de transformações, que justificam a proeminência magnífica da união desses dois sexos nas mudanças e evolução de nossa raça - a Guerra de Tróia, causada pela luta entre dois homens pela belíssima Helena, ou o ardente amor de Marco Aurélio por Cleópatra, que o levou a querer derrubar o imperador Otaviano, para conquistar e oferecer o Império Romano a ela, são apenas alguns dentre esses milhares de fatos.

E é inevitável lembrar que, em diversos momentos como esse, a chama da paixão foi acendida por essa milenar e uterina magia feminina, tão típica das bruxas.

Toda mulher carrega em si algo desse fogo sedutor.

Quem de nós homens, afinal, nunca se perdeu de loucura pelo amor de uma delas?