Eles, na flor da idade: da esquerda para direita, Mick Jagger (vocais), Bill Wyman (baixo), Brian Jones (guitarra), Keith Richards (guitarra), e Charlie Watts (bateria)
Vivo repetindo isso: se tem alguém em quem toda a geração de pessoas
mais velhas no mundo deveria se inspirar, para tocar o restante da vida com
vigor e originalidade, é nesses caras. Na idade em que estão, e ainda dominando
um palco, são a prova viva de que juventude é algo mental, e bem mais
espiritual do que física!
Das duas maiores bandas do gênero que já existiram - os Beatles e os
Rolling Stones, ambas dos já ancestrais anos 60 do século XX - posso me
orgulhar de já ter assistido ao vivo pelo menos uma, a segunda. E justamente a
mais rock, em termos de filosofia de vida e simbolismos do estilo.
Eu e maninha, depois do 'esquenta' (shots de tequila e Heineken, rs) e já dentro do estádio, show começando a rolar...
Mick Jagger já foi considerado um dos caras mais feios do mundo, mas
também um dos mais espertos e sensuais. E isso diz muita coisa. No final das contas,
beleza é apenas um detalhe: mesmo quem tem, um dia acaba. Inteligência e
talento para ganhar dinheiro atraem e valem muito mais.
Hoje, ele tem fama de pé frio nos mundiais da Copa. Tudo bem, it’s
only zoeira but I like it.
E na quase totalidade de sua existência sob o comando do cara (descontando o curto período inicial em que o líder deles era o tresloucado Brian Jones), os Stones se transformaram em uma daquelas máquinas midiáticas de extremo sucesso e eternizadas na mitologia pop.
Ah, é claro… tem a magia também do vampirão Keith Richards, o
guitarrista parceiro endiabrado de Jagger, que é sua verdadeira antítese
- debochado, desleixado, um cara que já virou uma entidade sobrenatural do rock
de tanta doideira que aprontou, e parecendo que morreu e esqueceu de cair, mas
ainda a verdadeira força musical dos Stones, autor de alguns dos mais potentes
acordes do planeta.
A seguir, alguns dos momentos mais marcantes dessas pedras que rolam já
há mais de 50 anos sobre a Terra!
1965 - A histórica segunda turnê pelos EUA:
A primeira viagem deles para tocar na terra de Tio Sam, em 1964, na
esteira dos Beatles e acompanhando todas aquelas outras bandas inglesas da
Invasão Britânica, fora algo próximo do desastre - com falhas de organização
devido à pressa do empresário louquinho Andrew Loog Oldham, cumprindo várias
datas em verdadeiros cafundós do Centro Oeste americano, sendo agredidos por
caipiras e se apresentando em alguns shows de TV bregas (como o do cantor
cafona Dean Martin, onde também foram hostilizados), os Stones ainda eram uma
banda sem um grande hit, não tinham “aqueeele” sucesso, e os EUA ficaram
devendo uma recepção mais calorosa aos então garotos. Mas a ficha virou no ano
seguinte: em 1965, a contagiante “I Can’t Get No Satisfaction” se tornou o hino
deles, até hoje sua canção mais famosa, e arrebentou do outro lado do
Atlântico, levando os Stones a desfrutar todo o prestígio que os Beatles já
haviam antes experimentado.
1966 - O primeiro álbum com material próprio, ‘Aftermath’:
Na metade da década de 1960, era consenso entre as bandas inglesas que o
repertório em que trabalhassem deveria ser composto de uma boa quantidade de
covers, versões de grandes sucessos do blues e soul norte-americanos antigos, e
algumas composições próprias, onde podiam mostrar alguma coisa mais original.
Quem mudou essa temática foram os precursores Beatles, que passaram a lançar
LPs cada vez mais contendo composições autorais, e deixando de tocar músicas de
outros artistas, de 1964 em diante. Assim, era natural que os Rolling Stones
seguissem a onda - sempre “afrontando” o que os rapazes de Liverpool faziam,
mas rivalizando na base da brincadeira (eram amigos deles). O disco Aftermath,
de 1966, foi o primeiro álbum inteiro dos Stones com material próprio, e
representou uma grata surpresa para aqueles que imaginavam que eles não
conseguiriam se sustentar como artistas originais: músicas de forte temática
crítica aos costumes e valores sociais da época, falando sobre frivolidade
feminina (“Stupid Girl”), liberdade sexual (“Under My Thumb”), paranóias da classe média (“Mother’s Little Helper”), e inovando até no instrumental, com a
beleza vitoriana da bucólica “Lady Jane” e os improvisos do longo e satírico
blues “Goin’ Home”. O rock cáustico característico da dupla de compositores
Jagger/Richards (fazendo frente a Lennon/McCartney) põe as manguinhas pra fora,
mas também se sobressai o inconfundível ecletismo do guitarrista
Brian Jones, o líder original do grupo, ao se desdobrar em vários instrumentos e compor arranjos geniais.
Under My Thumb
Lady Jane
1967 - A primeira prisão por porte de drogas
Entendamos que eles foram revolucionários. Entendamos que eles foram à
frente de seu tempo. Numa época em que desbunde lisérgico era uma forma de
protesto contra as autoridades, e usar entorpecentes e substâncias alucinógenas
ainda era apenas uma “experiência” para expandir a mente (e não um passatempo
fútil de um bando de iletrados e gente sem cultura e sem capacidade de entender
suas consequências), a dupla Jagger-Richards chegou junto na malandragem, e foram
os primeiros a ser perseguidos pela mídia britânica sensacionalista e sedenta
de escândalos, que espionou as casas dos dois e dedou para os meganhas da
polícia inglesa irem lá acabar com a festinha - com chuva de fotos dos paparazzi
rolando geral. Os maiores bafos também foram inventados para ‘causar’ e
gerar mais polêmica - tipo Mick Jagger pego em flagrante com uma barrinha de
chocolate estrategicamente inserida em sua namorada na época, pra fazer sexo
oral. Mas a cana foi feia pros dois, especialmente Keith Richards, que sempre
teve mais pinta de marginal e passou umas boas noites em Wormwood Scrubs, uma
das penitenciárias mais barra pesada da Inglaterra. No final das contas, uma
verdadeira campanha popular formada por fãs, amigos, outros músicos, e uma
grande parte da sociedade britânica, revoltados com a perseguição aos dois,
conseguiu influenciar a opinião pública e reverter o resultado do julgamento, e
eles ganharam a liberdade após alguns dias.
O dia do julgamento
Jumping Jack Flash
1968 - 'Simpatia pelo demônio'
Ao tomarem conhecimento de que os Beatles estavam gravando um álbum em que eles voltavam à instrumentação básica do rock, depois das experiências psicodélicas de discos anteriores (o White Album, que sairia em novembro de 68), os Stones resolveram também adotar a premissa de um som mais simples e primitivo, o que resultou na consolidação definitiva do estilo deles de tocar. Com algumas ideias esparsas em mente sobre folk, o blues e o country americanos mais puros, e até mesmo as raízes africanas do samba (estilo musical que Jagger e Richards descobriram e acharam super interessante, em uma visita rápida ao Brasil), eles entraram no estúdio para perpetrar uma de suas maiores obras primas: o discaço Beggar's Banquet (lançado em dezembro daquele ano). Uma das primeiras faixas gravadas, o visceral rock "Jumping Jack Flash", até hoje um dos carros chefes da banda, se despregou do conjunto e saiu como compacto, algumas semanas antes. Mas a força de músicas magistrais como "Parachute Woman", "Jigsaw Puzzle", a delicada "No Expectations", e o hino de revolta estudantil "Street Fightin' Man", sustentavam todo o conjunto do LP, que abria com o tal petardo inspirado no ritmo do samba, resultado de longos experimentos durante as gravações, registradas pelo cineasta francês Jean-Luc Godard, no filme de mesmo nome: a matadora "Sympathy for the Devil". Até hoje, por conta dessa música e sua letra sarcástica (uma brincadeira de Jagger com os simbolismos pagãos e hedonistas da época), muita gente considera os Stones satanistas.
1969 - A morte de Brian Jones e o concerto no Hyde Park
Em 3 de julho de 1969, o corpo do guitarrista original e fundador dos
Rolling Stones foi encontrado boiando inerte em sua piscina, na imensa
propriedade campestre Cotchford Farm, condado de Sussex. A passagem de Brian
Jones nunca foi bem esclarecida, e continuará permeando a história dos Stones
como um dos grandes mistérios não revelados do rock n’ roll - muito se fala
sobre uma festa na noite anterior em que Jones teria chamado o próprio pessoal
que trabalhava na reforma da casa para beber, e que ele teria sido afogado por
um deles após uma discussão. Ou que teria morrido de alguma overdose, e depois
o atiraram na piscina. A autópsia do músico era inconclusa, pouco ou nada
revelava sobre o óbito. De qualquer forma, o fato triste e chocante é que o
cara rebelde, impetuoso e excêntrico, que teve a revolucionária visão de montar
uma banda nas bases do mais tradicional blues, e depois o combinar com outros
gêneros em um som bombástico e vibrante, estava agora morto. Apenas um mês
antes, sua saída dos Stones já havia sido anunciada - fora praticamente expulso
da banda, por conta de sua irremediável entrega ao vício do álcool e drogas
pesadas, que haviam minado a sua performance tanto nos palcos como nos estúdios.
A notícia de sua morte, sempre carregada pelas suspeitas dele ter ficado
depressivo em seus últimos dias, não deixou de causar certo constrangimento e
arrependimento nos colegas de banda. “Sim, foi um baque quando soubemos do seu
falecimento, e sentíamos que havíamos o apunhalado pelas costas quando pedimos
para ele se retirar do grupo”, diria Keith Richards. Assim, como um forma de
homenagear Jones, e ao mesmo tempo retornar aos palcos de modo triunfante - os
Stones não se apresentavam ao vivo desde 1967, atordoados pelos problemas com a
justiça - a banda realizou o lendário concerto de despedida ao ex-membro no
Hyde Park, em Londres, em 5 de julho de 1969. Um momento histórico, eternizado
em imagem e som no filme Stones in the Park.
1969 - O trágico concerto de Altamont
Para os membros originais do grupo, até hoje, o mais sombrio e sangrento
capítulo de sua história. Em 6 de dezembro de 1969, os Rolling Stones
organizaram, no autódromo de Altamont (Califórnia, EUA), um mega concerto
gratuito, ao ar livre, que seria uma forma do grupo agradecer aos fãs que os
prestigiaram em sua última turnê de retorno aos palcos americanos, bem como
servir de resposta ao Festival de Woodstock, realizado cerca de quatro meses
antes, e que havia sido um sucesso fenomenal. Para não ficar atrás, os Stones
chamaram outras bandas amigas para tocar também, fazendo a abertura do evento
(Flying Burrito Brothers, Grateful Dead, Jefferson Airplane). Entretanto, para
a segurança do evento (e de forma a não gastar muito dinheiro com ela), tiveram
a péssima ideia de contratar a gangue de motoqueiros barra pesada Hell’s
Angels - caras que notoriamente não iam nem um pouquinho com a cara dos
jovens hippies que lotavam em massa os shows de Jagger e cia., na época. Saldo:
pancadaria desmedida, bebedeira e overdoses na platéia, e quatro mortes, uma
delas sendo o assassinato do jovem negro Meredith Hunter pelos Angels, a poucos
metros do palco, onde a banda executava “Under My Thumb”.
Flashes antes e no momento em que Meredith Hunter (de verde) é esfaqueado durante o show
1971 - A consagração de Mick Taylor em Sticky Fingers
Em meio ainda a toda a tribulação causada pelo show de Altamont, e morrendo de medo de novos problemas com a lei por conta disso, os Stones passam todo o ano de 1970 preparando o seu próximo lançamento, trabalhando em várias ideias de músicas incompletas e que haviam sido deixadas para trás, e procurando dar um reinventada no seu som em estúdio com a ajuda do guitarrista substituto de Brian Jones, o virtuoso e precoce Mick Taylor - um bebê perto dos outros caras, com apenas 21 aninhos. Reunindo um conjunto de canções poderosas, encorpadas com o auxílio das seis cordas do novo colega, eles lançam outro grande disco de sua carreira em 1971: Sticky Fingers, o famoso álbum da polêmica foto de "calça com volume", feita pelo lendário artista multimídia Andy Warhol. Só música clássica: "Moonlight Mile", "Sway", a emocionante "Wild Horses", "Can You Hear Me Knocking" com seu ritmo latino quente, e a sacana "Brown Sugar", dentre outras.
Mick Taylor
1972 - Exile on Main Street: o exílio na França
Mega visados pelo mega imposto de renda da terrinha de Vossa Majestade,
os Stones viam suas riquezas indo pelo ralo não só por causa da ladroagem de
seus primeiros empresários, mas também por conta do fisco. De forma a dar uma
controlada nas contas, e também respirar novos ares para produzir o seu novo
álbum em 1972, a banda procura refúgio na França, numa belíssima mansão alugada por Keith
Richards em Nellcote Ville, onde passam a produzir em ritmo louco e desregrado,
trocando o dia pela noite e entupidos de birita e variadíssimas substâncias. O
fruto disso seria um disco duplo, considerado até hoje a melhor obra gravada
pelos Stones, que os consagraria como “a maior banda de rock n’ roll do mundo”:
Exile on Main Street. Pérolas como “Tumbling Dice” (que puxaria as
vendas), “All Down the Line”, “Sweet Virginia”, “Happy” e “Soul Survivor”
estão entre algumas das mais poderosas entregas do grupo. O álbum rivaliza
apenas com o célebre Beggar’s Banquet, de 1968, como o mais irretocável
da discografia stoniana, e daria origem a uma das mais barulhentas e
bem-sucedidas turnês do grupo.
Tumbling Dice
1973 em diante - O lançamento de “Angie” e a conversão dos Stones em
banda “pop festa”
O lançamento seguinte a Exile, em 1973, apresenta ao mundo uma virada no
estilo do grupo: conduzido pela linda e lírica balada “Angie”, o álbum Goat’s
Head Soup começa a mostrar os Stones suavizando e diversificando o seu som,
no que para muitos passaria a soar como uma banalização do rock mais puro e
selvagem que faziam. Passam a se tornar uma banda mais frequente nas colunas
sociais, no jet set de estrelas internacionais e festas nababescas de
milionários famosos, e os discos que se seguem passam a mostrar o grupo como
uma quase caricatura de si mesmos, ricaços do rock and roll: It’s Only Rock
n’ Roll (1974), Black and Blue (1976, onde flertam com o reggae), e Some
Girls (1978), onde chegam até a lançar um hit da era discoteca, dançante! -
a famosa “Miss You”. É a fase pop festa dos Stones, que acaba
representando uma certa acomodação criativa deles, fazendo um som mais fácil e
popular para tocar nas rádios.
Angie
1977 - A definitiva “quebrada na cara” de Keith Richards
É na turnê de 1977 do grupo que ocorre a famosa “quebrada na cara”
definitiva de Richards, que acaba colocando um ponto final em suas proezas
absurdas com as drogas e a justiça. Viciado de carteirinha, ele acabaria sendo
pego pela polícia do Canadá com uma quantidade enorme de cocaína, que o
enquadrava como traficante. A partir do enrosco com as pesadas leis do país,
Richards resolve dar um basta na coisa e, depois de pagar uma fiança caríssima
e os melhores advogados do mundo para soltá-lo (numa missão quase impossível
para a época), nunca mais se ouviria falar de seus bodes com entorpecentes. Ele
realmente estava tão louco nos concertos, que filmagens da época e relatos de
fãs são taxativos em afirmar que ele não estava bem, e a qualquer hora poderia
ter um piripaque em pleno palco, de tão alucinado. Ele jura que dali em diante
pegou leve, sempre pisando no freio. Vai saber...
A partir de 1981, com a carreira já bem estabilizada, e a adoção do boa
praça Ron Wood como definitivo segundo guitarrista do grupo (Mick Taylor havia
pulado do barco em 1975), o que se vê é a carreira dos Stones se convertendo
para serem uma banda clássica do rock, no estilo dinossauros que lançam algum
disquinho por volta de dois em dois anos, só pra dar uma arejada com algum hit
novo para as rádios, e acabam segurando seu nome mesmo é como grupo ao vivo,
sempre tocando os sucessos inesquecíveis e tentando se reinventar no palco. A
histórica turnê Still Life de 1981, puxada pelo hit “Start Me Up”, e com
um número absurdo de datas de shows, com um vigor inabalável, é apenas a
primeira de muitas que irão sedimentar a carreira da banda como,
essencialmente, totens ao vivo. A marca Rolling Stones, com a famosa logomarca
da linguinha pra fora, se consolidou a partir dessa época como uma autêntica
empresa de mega turnês mundiais, com uma estrutura impressionante de palco, som
e luzes, para devastar qualquer lugar por onde passem com seus shows - e é
assim que continuam tocando sua duradoura carreira até hoje, apesar de algumas
brigas e separações ao longo dos anos, mas sempre seguidas por reconciliações
que levam a mais e mais turnês. Aos poucos se tornaram “vovôs do rock”, mas que
revigoram suas energias e voltam a se tornar moleques nos estádios da vida, em
cada palco onde sobem para fazer barulho para milhares de pessoas. “O que
fazemos não é música, você não pode considerar isso música. Fazemos barulho”,
já pregava um ainda jovem e sábio Mick Jagger, lá pelos idos de 1965.
Ronnie Wood
Wild Horses ao vivo em 1976 - com Wood improvisando bonito no solo!
2005 em diante - Os históricos shows no Brasil!
E aqui chegamos ao final comentando aqueles momentos históricos que,
pelo menos para nós aqui da terrinha, são mais históricos ainda: as passagens
das pedras rolantes pelo Brasil! Foram quatro, até hoje: a primeira e triunfal
vinda, em 1995, em que abalaram as estruturas do Maracanã, no RJ; a segunda, em
1998, como parte da turnê One Plus One, que contou até com palhinha de Bob Dylan
cantando “Like a Rolling Stone” com eles, e que foi quando o Sr. Jagger
acabou fazendo um filho numa tal de Luciana Gimenez; a terceira, em 2006, com o
lendário show gratuito que deram para 1 milhão e meio de pessoas na praia de
Copacabana, batendo recorde de público; e a última, em 2016, em que este que
humildemente vos escreve compareceu na apresentação deles no Morumbi (SP), no
que foi, simplesmente, o melhor show da minha vida até o presente momento.