terça-feira, 28 de maio de 2019

BUNDY, EFRON E O LADO ESCURO DA LUA


Existe uma região obscura e lúgubre na alma de cada ser humano, que esconde coisas recônditas que nem as mais soturnas trevas podem malevolamente conjurar.

A esse lugar tétrico onde repousam os demônios do subconsciente de cada um, o grupo de rock britânico Pink Floyd deu o nome, há 46 anos atrás, de "o lado negro da lua", em forma de arte conceitual e musical - The Dark Side of the Moon, o lendário álbum de 1973, com a capa de luz prismática atravessando uma pirâmide existencial, permanece imponente como uma das mais poderosas obras-primas já gravadas na história da humanidade, a retratar o lento e gradual descompasso de um ser humano, rumo à desestruturação psicológica, a psicopatia e a demência.

As suas letras sensíveis e repletas de alegorias sobre a loucura, unidas a uma performance instrumental vigorosa e que representava o ápice do Floyd como conjunto progressivo, fizeram do disco um estrondoso sucesso.

Campeão de vendas absoluto nos anos 70. Marco irrefutável na carreira da banda.

Roger Waters, o mentor intelectual e principal compositor do grupo, sabia do que estava falando naqueles sons: era um cara que conviveu com neuroses e traumas da Segunda Guerra Mundial desde moleque (perdeu seu pai para o conflito), e presenciara dia após dia a queda do seu amigo Syd Barret, o membro fundador, se deteriorando mentalmente com um vício pesadíssimo em LSD, ao ponto de ficar incomunicável - sim, a liderança do Pink Floyd sobrou para Waters ainda em 1968, após a figura do brilhante Barret ter se reduzido a um apelido triste no passado do conjunto, crazy diamond ("diamante louco").
Roger Waters, baixista e líder do Pink Floyd

Corte para 1974.

Em Utah, EUA, o terror começa a se espalhar de forma crescente, com as notícias cada vez mais aterradoras, na mídia, de jovens mulheres que aparecem mortas com sinais de horripilante barbárie, estupradas e desfiguradas. 

Melissa Smith, 17 anos, fora encontrada com o crânio totalmente despedaçado, e marcas brutais de espancamento por todo o seu corpo.

Joni Lenz, 18, encontrada toda ensanguentada na cama do apartamento que dividia com suas amigas, tinha marcas de violência por todo o corpo, e o pior... um pedaço de cano de metal, arrancado de sua própria cama, introduzido na vagina.

Laura Aime, 17, fora encontrada praticamente sem arcada dentária, a mandíbula toda fragmentada e destruída, e seu corpo, assim como o de tantas outras vítimas, apresentava terríveis vestígios de espancamento e sodomia. Uma barra de ferro havia sido provavelmente utilizada para quebrar quase todos os seus ossos.

A esses, se seguiriam muitos outros casos, e em outros estados da Federação também: Colorado, Flórida.

Em todas as tenebrosas ocorrências, a violência sexual bestial, que parecia produzida por alguém animalesco, demente e sem qualquer traço de humanidade, se dava antes... ou até mesmo depois das mortes, indicando também uma doentia predileção pela necrofilia.
Uma extensa listinha de algumas das vítimas de Ted Bundy...

Logo, as peças do quebra-cabeças persistentemente montado pelos policiais começam a se encaixar. O suspeito logo se mostraria um cidadão acima de qualquer suspeita. Um rapaz culto, inteligente e atraente. Formado em Psicologia com excelentes notas, agora ele tentava a sua segunda graduação, em Direito, visando seguir a carreira dos seus sonhos: advogado. Fora filiado influente do Partido Republicano, com excelentes contatos no ambiente político/universitário local. 

Em suas insuspeitas investidas noturnas para saciar a sua obsessão oculta, costumava utilizar gesso em um de seus braços ou pernas para fingir que era um frágil rapaz universitário fraturado, humildemente pedindo ajuda a alguma garota, que lhe chamasse a atenção, para carregar seus livros para o carro. Ele era simpático e gentil. Seu sorriso era cativante. Era virtualmente impossível alguma delas dizer 'não' para ele.

Seu nome era Theodore Robert Bundy.
Um dos maiores maníacos da história - Ted Bundy (1946 - 1989)

Maio de 2019...

O drama de suspense Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile, estreia na Netflix norte-americana. Ainda não há título em português ou uma data específica para estrear na Netflix brasileira, mas deve estar próxima. 

O filme figura o primeiro grande papel adulto do ex-ídolo teenager Zac Efron (High School Musical, da Disney), no papel de Ted Bundy, um dos mais monstruosos e míticos assassinos seriais da história dos Estados Unidos da América.
O Sheldon, convertido em promotor de acusação, resolve largar um pouco de lado as teorias do Big Bang, para acusar Zac 'Bundy' Efron, no filminho novo da Netflix

Apesar de soar superficial em relação aos mais de 30 homicídios brutais cometidos por Bundy, e se ater demasiadamente em sua relação com a primeira esposa, Elizabeth Kloepfer, o filme apresenta uma atuação competente e elogiada de Efron como o serial killer, e dá uma noção aproximada do que foi a trajetória do psicopata.
Zac Efron largou de cantar e dar piruetinha no ar pra ficar bem parecido com Bundy

Mas para quem quiser conhecer em detalhes minuciosos a criminosa e impressionante carreira de Bundy, na real mesmo, nada como assistir na íntegra à mini-série Conversations with a Killer: The Ted Bundy Tapes, também na Netflix, e já disponível há uns 3 meses na brasileira.

É de arrepiar todos os fios do corpo ouvir o próprio Bundy contar, com sua voz calma e gélida, sobre os detalhes de todos os seus assassinatos, em fitas de entrevistas originalmente concebidas pelo jornalista Stephen Michaud, e gravadas por Bundy na prisão, com o intuito de escrever um livro sobre ele. 

Aos poucos, notamos que Bundy não era apenas um sujeito cativante e carismático, com um Q.I. provavelmente acima da média. Ele era, também, o primeiro mega star do crime que se aproveitou do apetite da mídia sensacionalista para se promover, e representou a quintessência do serial killer moderno, calculista e assustador. 

O cara era ainda tão mala, que fez questão de brigar com todos os seus advogados, e atuar em defesa própria, nos tribunais por onde passou...

O verdadeiro "lado escuro da lua" em qualquer pessoa por aí.

Quando ele diz aquela sua clássica frase: "Nós, serial killers, somos qualquer um. Somos seus filhos, seus maridos, estamos em toda a parte. E haverá mais de suas crianças mortas amanhã"... a gente pensa, cara, danou-se. Ele simplesmente escrachou com tudo. 

E ao dizer isso, acabou dando um amargo grito de vitória e um alerta rumoroso, na cara da sociedade inteira, que vai muito além de seu corpo frito na cadeira elétrica à qual foi sentenciado - Bundy foi executado em 24 de janeiro de 1989, após seu julgamento no Condado da Flórida. 

Burn, Bundy, Burn! - "queime, Bundy, queime", gritava a multidão de frente para o Presídio de Starke na Flórida, na madrugada do dia de sua execução, ávida pela morte daquele cara que se tornara um dos inimigos públicos n.º 1 da América.

E o Pink Floyd de Waters, naquela canção Brain Damage ("Dano cerebral"), já prenunciava:

sábado, 25 de maio de 2019

MITOMANIA: um mal psicológico perigoso e crescente


Semana passada, ocorreu em New York o julgamento de Anna Sorokin, uma jovem russa de apenas 28 anos que, desde 2016, quando se mudou para os EUA após deixar sua família na Alemanha (morava lá desde os 16 anos de idade), construiu uma das mais notáveis carreiras criminosas como estelionatária na América. 

A jornada de Anna como "171" - gíria brasileira que designa essa galera que dá golpe, falsifica e mente para obter vantagens financeiras e pessoais - era de alto refinamento. Se dizendo herdeira de uma aristocrática família germânica, ela passou a utilizar o falso nome de Anna Delvey e, com muita inteligência e perspicácia, conseguiu se aproximar das pessoas certas, nos momentos certos, fazendo amizade com a alta elite nova-iorquina devido aos seus extensos conhecimentos sobre o mundo das galerias de arte chiques na Europa e EUA.

Anna se dizia herdeira de uma fortuna de mais de 60 milhões de euros (cerca de R$ 261 milhões), e passou a morar em hotéis cinco estrelas, frequentar festas exclusivas da grã-finagem, e viajar em jatos privados dos amigos. Tornou-se figurinha tarimbada e cheia de curtidas milionárias no Instagram, onde também deixou registradas as suas marcas de pseudo riqueza. 
Anna lacrando o Insta...

Além disso, como forma de realçar a ostentação, gostava de distribuir altas gorjetas aonde quer que fosse.

Detalhe: é filha de uma família humilde na Alemanha, e seu pai é um simples caminhoneiro. Eles ainda não entendem o que deu errado na criação de Anna para ela aprontar tudo isso.

A casa começou a cair em 2018, quando apareceram as primeiras queixas de rombos e prejuízos de hotéis e restaurantes caríssimos da cidade. De alguns, ela simplesmente consumia e se ausentava sem pagar a conta, para nunca mais aparecer. Dar o cano na hora de pagar era o seu modus operandi padrão. Alguns bancos de New York também começaram a oferecer representação contra Anna, visto que ela se utilizava de um esquema bastante facilitado pelo crédito fácil de certas instituições financeiras: fazia depósitos de cheques sem fundo de alto valor nas contas, e antes que o banco se desse conta de que o cheque era "borrachudo" (lá não fazem primeiro a conferência), ela sacava grande parte do valor do mesmo em dinheiro. 

Em suma, uma perfeita pilantrinha.


O interessante é que a história de Anna esbarra em outras de famosos falsários, pessoas com um elevado grau de inteligência, que se faziam passar por aquilo que não eram - é o caso do célebre Frank Abagnale Jr., cuja vida virou filme pelas mãos de Steven Spielberg (Prenda-me Se For Capaz, 2002, com Leonardo DiCaprio no papel), e até mesmo do brasileiro Marcelo Nascimento, que se fez passar por herdeiro do dono da empresa aérea Gol, e enganou o high society e até mesmo equipes de TV. Sua trajetória também foi para as telonas, encarnado pelo ator Wagner Moura no sucesso de bilheteria VIPs, de 2011.

Mas o que intriga mesmo no caso de Anna e todos esses outros, é um traço comum presente na personalidade deles: a ocorrência da mitomania.

Essa disfunção psicológica, já classicamente diagnosticada, é a compulsão do indivíduo por mentir, de forma a melhorar a sua autoestima, produzir sensações de prazer pessoal, e adquirir vantagens pessoais e profissionais, podendo chegar a condições tão agudas, que o paciente acometido por esse mal pode até mesmo confundir aquilo que ele inventa com a própria realidade. 

É o famoso "mentir tão bem, que se acredita na própria mentira".


Dois sucessos do cinema que retratam figuras mitômanas: "Prenda-me Se for Capaz" (Catch me If You Can, 2002), e "VIPs" (2011)

Em todos os seus mais diversos tipos, o "mitômano" é alguém que se satisfaz enganando os outros, tentando projetar externamente uma realidade paralela produzida pela sua própria imaginação fértil, e assim como na psicopatia, sem se preocupar com as consequências geradas a partir disso. 

Até mesmo a mais completa ausência de remorso é um traço bastante comum entre mitômanos e psicopatas - durante seu julgamento, conforme pode ser visto nas reportagens pela TV ou vídeos no YouTube, Anna se portava de maneira displicente, leviana, como se nada de errado tivesse acontecido, e apesar de no final da audiência ter expressado pedidos de desculpa pelo que fez, admitiu que não se arrependera "tanto assim" dos seus atos.

A mitomania é, portanto, patologia de natureza psiquiátrica, séria e comprometedora: o mitômano pode causar enormes danos às vidas de outrem e de si mesmo, pois em diversos momentos não tem a capacidade de distinguir entre uma imagem que cria de si mesmo, de uma que apresente o que realmente é. E nesse processo disfuncional perceptivo, causa engodo a todos aqueles que o cercam, ocasionando prejuízos financeiros, éticos, morais, e que podem gerar até mesmo situações de violência e agressividade. Não é preciso ir muito além para dizer que o mitômano acaba colocando a sua própria vida em risco, dependendo da pessoa para quem ele mente.

Ao ser detectada, deve ser buscado, urgentemente, auxílio médico profissional para lidar com o problema - há tratamento para isso.

Nesses tempos de dubiedade moral em que vivemos, em que toda uma nova geração de indivíduos se embevece ao postar fotos em redes sociais, criar mitos virtuais sobre suas experiências e personalidades, e invariavelmente se deixar atrair pela ostentação e pelos sedutores números de curtidas e de seguidores, nunca é demais ficar de olho em nossos mais diversos contatos, para checar se ninguém está sofrendo desse mal...