quarta-feira, 22 de agosto de 2018

AMARGURA DA LOUCURA


Sempre há o que se comemorar em termos de evolução de nossas gerações, por mais que às vezes o pessimismo se abata sobre nós.

A humanidade já foi muito, muito má. Andou melhorando, graças a Deus.

Quando falo sobre isso, após assistir vídeos na web e debater com amizades nos últimos dias, me refiro ao assunto "tratamento psiquiátrico" no Brasil.

E faço um convite àqueles que tem interesse sobre o tema - especialmente quem possua algum parente ou pessoa conhecida e querida, nessa situação delicada - para dar uma passada de olho, quando puderem, no livro (e filme também, baseado nele) Holocausto Brasileiro.

O filme completo, um documentário de cores fortes e depoimentos marcantes, está completinho no YouTube - pelo menos até essa data de publicação da postagem - e o link segue logo abaixo, no final do texto.

É obra pungente e importantíssima.

Documento de uma época negra e ocultada da recente história brasileira, sobretudo de um episódio macabro do serviço público de saúde aqui do nosso estado de Minas Gerais, que retrata o tristemente famoso Hospital Colônia de Barbacena.

Lugar que, para muitos que viveram a época, dá arrepios só de ouvir falar, e onde hoje funciona um órgão do patrimônio histórico cultural mineiro chamado "Museu da Loucura" - mantido pela Secretaria de Saúde do estado e FHEMIG. 

A excelente obra da jornalista e escritora Daniela Arbex - vencedora do Prêmio Jabuti de literatura em 2014 - traz o mais completo estudo já feito até hoje sobre a instituição que fez com que a bela cidade de Barbacena - até então singelamente conhecida como "a cidade das flores" - se tornasse, a partir de 1930, a capital nacional dos dementes.

Os relatos trazidos pelo livro e documentário baseado nele são de levar qualquer um às lágrimas, de tão tristes e chocantes.

De imponente colônia de férias construída no final do séc. 19 para famílias aristocráticas do Rio de Janeiro, que pegavam o trem que saía do estado para Guanabara para Minas e parava bem na frente do hotel, a fim de passearem, fazerem tratamentos médicos e repousarem, o enorme complexo com mais de cem leitos distribuídos em diversos aposentos, e posicionamento elevado em uma das regiões serranas da cidade, logo foi adquirido pelo governo mineiro para que se tornasse o principal órgão para acolhimento e tratamento de doentes mentais do estado, no início do século 20.

A sua missão, no entanto, logo se desvirtuaria, fruto da falta de zelo e mentalidade vil e retrógrada dos profissionais das áreas de saúde e segurança pública, da época.

Dos cento e poucos pacientes iniciais, logo a população encarcerada no manicômio foi gradualmente aumentando para 200, 300... até chegar aos dois mil, em meados das décadas de 60 e 70. 

Tornou-se frequente o "despejo" indiscriminado de pessoas tidas como loucas no lugar, principalmente pela linha de trem que facilitava o transporte para lá de todos aqueles rotulados nessa condição pelas suas famílias, vindas de todos os lugares do estado e do país, e logo foi criado um vagão especial no trem que parava na porta do hospital, com a inscrição "loucos" para descarregar os pacientes que iam chegando cada vez mais, aos montes. 

Muita gente indesejada foi enviada para Barbacena pelos familiares, e nunca mais saiu.

A estimativa oficial é a de que 60.000 pessoas morreram no Hospital Colônia de Barbacena ao longo de sua existência, algo comparável apenas aos campos de concentração da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, num palco de absoluta degradação e sofrimento coletivo.

E todos que eram internados eram de fato doentes mentais? 

Aí é que está: de acordo com diversos relatos, não.

Todo e qualquer indivíduo diferenciado para a sua época, e que fosse tomado como "inconveniente" no círculo social em que vivia, corria o risco de ser taxado de doido, e mandado para "ser tratado" em Barbacena. 

O número de contestadores, inimigos políticos de poderosos, gays, lésbicas, alcoólatras e errantes, viciados em drogas, prostitutas, andarilhos e moradores de rua, bem como de homens e mulheres vítimas de estupros - e que não podiam denunciar tais abusos - inflou sobremaneira o contingente de loucos que passou a habitar o hospital colônia.

Há também o espantoso registro de centenas de indigentes de Belo Horizonte que eram recolhidos pela PM a mando da prefeitura, classificados como loucos e mandados para um hospital próximo, no município de Raul Soares. Entretanto, quando este fechou, por falta de recursos, todos os seus internos foram enviados para Barbacena, aumentando ainda mais o caos por lá.

O local logo se tornou um dos mais horrendos palcos de horror da miséria humana.

Quem não era realmente louco, só de ficar confinado ali, logo ficava.

Em uma época em que as terapias especializadas modernas e mais humanitárias, de ressocialização, ainda não existiam, os pacientes eram acordados cedo todos os dias para tomar os remédios, e colocados para ficar no gigantesco pátio da instituição o dia inteiro, sem fazer nada, a não ser ficar vagando, chorando, e jogando conversa fora. Um verdadeiro inferno. 

O pouco trabalho manual, quando havia, era resultante do comércio de cigarro que os funcionários do hospital propunham aos pacientes ("quer um maço? Faz isso aqui pra mim, então"). E, muitas vezes, se resumia a colocar os pacientes para juntarem capim seco, que servia de enchimento aos imundos colchões e travesseiros em que eles mesmos dormiam.

Não havia tratamento científico específico, na verdade. Os internos eram tratados com xaropes, um ou outro calmante, injeções "sossega leão" quando ficavam mais exaltados e, na pior das hipóteses, os temíveis eletrochoques - sim, esta autêntica arma de tortura foi utilizada em Barbacena, em todos aqueles em que os medicamentos anteriores não surtiam efeito.

Um fio passando corrente em cada têmpora da cabeça da pessoa, de cada lado, e um pedaço de pano enfiado na boca dela, para que não mordesse a própria língua, e dá-lhe choque! Torrando o cérebro para acalmar.

Pessoas morreram lá, debilitadas pela sessões.

Com o passar do tempo, a partir de 1973, outra barbaridade começaria a ocorrer com quem falecia em seus porões: corpos de pacientes abandonados pelas suas famílias, que não se preocupavam em ir buscá-los, começaram a ser doados para diversas faculdades brasileiras de Medicina. Entretanto, as doações duraram pouco tempo: logo, funcionários do hospital descobriram o lucrativo negócio de vender os cadáveres! Inclusive aos pedaços, para faturar mais (um braço custava tanto, o par de pernas era outro tanto...). Maligno.

Uma das faculdades credenciadas que mais pegou cadáveres de lá, segundo os registros, foi a Faculdade de Medicina de Valença-RJ - cidade onde eu nasci, e justamente onde o meu pai, que é médico, se formou.

As condições agoniantes de higiene e os maus tratos passaram a se tornar cada vez piores no hospital colônia, a cada ano que se passava.

Inicialmente dividido em pavilhões classificados pelos tipos de loucos (homens calmos, homens mais agressivos, mulheres, crianças), logo a organização do hospital foi pras cucuias, e foi ficando todo mundo misturado.

Na época do frio, com as poucas roupas e trapos que vestiam, os internos sofriam, sendo que certa vez, durante o inverno, dezesseis deles morreram em uma só noite! A solução era se juntarem em montes para dormir, agarrados, uns sobre os outros - no que invariavelmente resultava em animosidade, sufocamentos e brigas, bem como estupros de mulheres. E essas, com medo de serem novamente abusadas, passaram a utilizar uma tática repugnante para manterem a distância dos homens: simplesmente se cobriam com as próprias fezes antes de dormir.  

Não havia água tratada. Os internos bebiam e se banhavam do que vinha da canalização precária do esgoto.

O mau cheiro, a mortandade, e o clima horrendo de campo de concentração, logo fizeram do hospital colônia de Barbacena um dos lugares menos visitados por autoridades. Uma espécie de "assunto proibido", reduto da insanidade imundo e esquecido, pior do que praticamente qualquer prisão brasileira.

Na década de 1960, algumas reportagens da antiga e prestigiada revista Cruzeiro chegaram a enviar repórteres ao local, que tiraram fotos e começaram a denunciar as suas condições sofríveis de funcionamento. Mas os governos da época e os militares abafavam tudo e a situação prosseguia.

Apenas a partir de 1978, é que uma comissão especial formada por jornalistas e médicos psiquiatras (que conseguiram autorizações de vistoria na Secretaria de Saúde do estado) passou a olhar com mais seriedade o problema do hospital colônia, e começaram a realizar visitas que tiveram, como resultado, a publicação de vigorosas reportagens-denúncia ("Nos porões da loucura", do jornalista Hiram Firmino, publicada no Estado de Minas, em 1979), e a intervenção de uma junta de psiquiatras que propuseram uma revitalização do hospital e a mudança dos tratamentos.

Hoje, a instituição atende pelo nome de Hospital Psiquiátrico de Barbacena, e é mantida pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), mas em moldes totalmente diferentes dos de antigamente. Os internos que lá estão passam por terapias individualizadas de ressocialização e são mantidos, com toda dignidade, em residências terapêuticas.

Lá também, em um anexo, funciona o "Museu da Loucura", com registros de todos os pacientes que passaram pela instituição, bem como fotos e relatos, como uma forma de mostrar a verdade sobre o que o lugar era antigamente, não mais permitindo que os erros se repitam.

Em nada o hospital lembra, atualmente, os horrores do passado. A não ser nos escombros lúgubres de alguns dos pavilhões desativados, hoje cheios de mato.

Lembremo-nos que, durante um bom tempo, o país viveu sob um regime militar, a imprensa não era livre para investigar e denunciar como nos dias atuais, e comissões de direitos humanos eram algo ainda pertencente a uma realidade futura e distante.

Ainda é difícil de acreditar, e aceitar, que uma instituição de saúde com tais características tenha existido, e sido mantida pelo poder público durante tanto tempo. Mas, infelizmente, foi. 

E tudo isso é verdade, realmente aconteceu.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

SEM SOMBRA, SEM MORAL


Há 18 anos atrás (agosto de 2000), o diretor holandês Paul Verhoeven lançava uma subestimada obra-prima da fase comercial de sua carreira em solo americano: Homem Sem Sombra permanece como um dos melhores filmes de um notável construtor de parábolas e elegias travestidas com fantásticos efeitos especiais hollywoodianos, mas que sempre desvelam questionamentos sociais e morais profundos, após uma análise mais apurada.

O título original da obra (Hollow Man, ou "homem vazio"), já dá uma noção da analogia que faremos ao nos deparar com Sebastian Caine (papel do talentoso Kevin Bacon), um cientista excêntrico e genial, que conseguirá concluir o projeto de uma fórmula que concede o dom da invisibilidade ao ser humano.

O êxito do cientista logo se configura em um completo desligamento de suas amarras com os princípios éticos e morais que regem a sociedade.

Destituído de sua forma física, pleno em capacidades de praticar qualquer ato sem ser notado, Caine aos poucos se transforma em um monstro amoral pronto para subjugar todos ao seu bel prazer, desprezando convenções e sentimentos alheios.

Os caminhos do crime se apresentam irresistíveis para a sua depravação, e logo ele se mostra o homem "vazio" de caráter e limites que ele sempre escondeu ser.

Várias interpretações da conduta libertina são possíveis ao observamos o desenvolvimento da personagem: a sua total egolatria, típica dos estupradores, ao buscar se satisfazer sexualmente aproveitando dos seres femininos em atitudes voyeuristas e egoístas (ele pode olhar e abusar de suas vítimas, mas elas não podem vê-lo, sentir ou expressar prazer pela sua presença), o sentimento absoluto de superioridade em relação a outras pessoas pela consecução de seus intentos, como em todas as situações em que é confrontado pelo seu contraponto moral, na forma de sua antagonista, a cientista Linda McKay - vivida pela bela Elisabeth Shue, e elevada à condição de heroína da história. Ela oferecerá a ele uma barreira externa, do superego que ele já perdeu.

Verhoeven se afirma autor de narrativas admiráveis, que sempre flertam com os grandes embates psicológicos de nosso tempo: é dele Instinto Selvagem, com a estonteante Sharon Stone e sua lendária cruzada de pernas, uma invulgar homenagem ao poder erótico do desejo e da submissão masculina. Também cometeu Robocop, o clássico, onde o mais interessante do filme é descobrirmos que se trata, na verdade, de um conto melancólico sobre a impossibilidade do ser de viver sem as suas memórias, sem as suas emoções. E fez, também, Tropas Estelares, aventura com cara de ficção científica bobinha, mas que  surpreende pela mensagem subliminar exaltante da firmeza de caráter daqueles que vão até o máximo de seus limites, pela pujança da sobrevivência.

Aqui, ele cria uma brilhante crônica filmográfica em que, como sugere o acertado título  nacional, o cientista Caine não expressa mais a sombra, representante das trevas e rastro de suas ações demoníacas - não mais deixando marcas por onde passa, apaga de sua conduta a imoralidade, a torpeza e leviandade de sua personalidade degenerada. Não obstante, nos momentos em que é necessário que se faça notar, veste outra persona: usa uma máscara, não mais representando a si mesmo, é como se apenas fosse um outro ser... pois o verdadeiro é realmente vazio, apagado!


Como em diversas outras obras artísticas, mais uma vez nos remete ao livro do escritor britânico Robert Louis Stevenson, O Médico e o Monstro, sempre nos oferecendo a inclemente pergunta: até onde todos nós, ao nos tornamos detentores de um poder e um intelecto descomunais, não nos tornamos devassos e absolutistas?

Hitler? Napoleão? Manson? Certos políticos brasileiros...

Lembremo-nos ainda de Fausto, de Goethe - aquele que negociava com o diabo a sua própria alma, em troca de todo o conhecimento do mundo, para que pudesse possuir e usufruir de todas as coisas, inclusive o amor de sua adorada Gretchen.

Quanto vale a alma humana, afinal? Quão longeva e insaciável pode ser a ambição, para que arrase de vez com a constituição social e moral humana?

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

O BEIJA-FLOR E A FLOR


Tal qual beija-flor, apreciarei tuas pétalas
Na beira de um riacho chamado saudade
Onde buscarei no ar a paz de uma felicidade
De me cobrir eternamente do teu cheiro
E insensatamente sei que te acolherei
Na loucura de um apaixonado beijo

Teu caule delicadamente acariciarei
Para te inebriar naquele prazer que eu sei
Te faz com volúpia desabrochar
Em teu pólen minhas taras satisfarei
E devasso de ternura e entrega te amarei
Para nunca mais querer te largar

A maciez tenra de tua tez perfumada
Faz de ti a minha flor mais adorada
Aquela em que eu sinuosamente me viciei
Em busca de um prazer infinito
Quero em ti introduzir meu carinhoso bico
De onde românticos suspiros de tua alma arrancarei

Flor desnuda e de prazer ensolarada
Pétalas quero abertas, de amor molhadas
Sobrevoarei em sonhos teus desejos mais recônditos
Tocarei no teu âmago indo direto ao ponto
Invadirei, penetrarei, possuirei com fome de paixão
Roubarei pensamentos teus com meus cantos indômitos.

(Este poema é dedicado com carinho ao pessoal do grupo de whatsapp Poetizando, do qual 
orgulhosamente faço parte! 😊)

NO TOPO DO PRÉDIO*


Ele vai passar exatamente às 12:45.

É o horário que está programado para ele passar.

E eu ainda não sei porque realmente aceitei essa missão. Mas, tudo que pego pra fazer na minha vida, eu tenho o costume de levar adiante. Não prestei serviço militar, fui dispensado. Não fui recruta, cabo ou soldado. Mas gosto de cumprir aquilo a que sou destinado. Sei lá, acho que me dá um gosto bom na boca.

Me faz dormir melhor à noite.

Mas talvez, agora, eu esteja querendo dormir um pouquinho mais.

Se me perguntassem a razão de ter topado fazer isso, eu diria: não sei, a princípio pensei que fosse raiva. Ódio dum monte de coisas, situações.

Mas raiva já era. Raiva é carvão de churrasqueira, que logo queima tudo e depois não dá em nada. Cansei de ter raiva. A gente tem que ter sentimentos mais longevos do que isso.

E então pensei: mas o que seria, então? Qual é o estopim motivador?

Vontade de enfrentar o medo, de praticar a superação?

No fundo, no fundinho mesmo, acho que não. Pois eu sei que eu dou conta.

Três meses num estande de tiro da fazenda que os caras me arrumaram, fizeram de mim um mecanismo automático. Sem bebidas, sem tremedeiras, sem suor, sem hesitações ou apreensão. A magnificência de sentir o gênio por trás de uma consciência madura, de rigor e disciplina. Os músculos rijos, resultantes da firme intenção. Acordando cedo e enchendo os pulmões de ar puro do campo, todo dia, todo dia mesmo, me levantando às cinco e meia da manhã para mais quinze, dezesseis horas de prática intensiva e resoluta, pausas básicas só para a alimentação e alguma leitura edificante.

Larguei tudo para me dedicar, e ali, eu sabia que era só contar comigo mesmo, eu era tipo Deus controlando o mundo, e bastava observar e calcular, tudo estava ao meu alcance.

Foi a melhor coisa do mundo para eu largar os meus vícios, as minhas paixões. Esquecer mágoas, abandonar rancores, deixar as desilusões, deixar tudo, tudo!

Todas as coisas devem ficar para trás, quando você quer ser o melhor do mundo. Todas as coisas… devem ficar para trás.

Não tinha como escapar da minha mira. Não tinha como falhar.

Com o tempo, passou a se tornar a mais pura expressão física de um impulso magnético, quase instintivo. Os movimentos e o campo de visão já tão treinados para acertar, que passaram a se tornar quase que involuntários. Rápidos, precisos.

E nada como treinar em animais. Alvos imóveis não te adicionam nada. Tem que estar em movimento, porque é ali que a realidade da mira precisa se opera. Animais e humanos: pouca diferença. Na verdade, praticamente nenhuma.

A frieza que se obtém no bom disparo de uma arma de fogo é um dos maiores exercícios de auto-afirmação para o ser humano.

O deslizar do dedo no gatilho do meu Barrett M82, o vibrante puxão resultante de seu inconfundível estampido, impresso na musculatura de meus braços quando pressiono, apenas alguns segundos depois do vislumbre incisivo em sua lente. E pronto.

Não há sensação igual.

Se penso em algo quando atiro? Hum… Provavelmente não. Só mesmo no meu alvo. Até a mente é condicionada à mais pura diretriz da concentração, depois do árduo treinamento.

Quisera ter sido assim em outros tempos.

Hoje, com a cabeça que tenho, e olhando em retrospecto, eu vejo o tanto de bobeiras que eu cometi. O tanto que eu ficava querendo chamar a atenção dos outros, incomodando, feito uma criancinha! Muito passional, e muito dependente de outras pessoas. Esperando demais de quem nada podia me dar. E, por outro lado, dando demais de mim a quem nada deveria de mim esperar. Tudo errado. Eu vejo que me encontrava entregue a um turbilhão de relacionamentos que não me levavam ao que eu realmente queria: me divertir e me satisfazer.

Mas tudo bem, ficar lamentando as coisas não resolve nada, passou. Agora, o que interessa, é só o que interessa a mim mesmo, sem ficar dependendo dos outros.

Eu, senhor dos meus próprios desígnios.

Então, ando chegando à conclusão de que, no final das contas, o que eu imagino que pretendo com tudo isso é fugir um pouco da mesmice. Agitar. Mudar algo. Fazer diferente.

As pessoas precisam sempre ter esse fogo, essa chama interna e prazerosa de querer modificar algo no ambiente em que vivem, e se fazerem notar por conta disso. Ser, como diríamos, um “agente de transformação”. Isso é legal. Isso é interessante.

Isso ajuda a girar o mundo.

E para um cara que não teve muitas chances na vida, como eu, o negócio é inovar. Aquela história: se não dá de um jeito, vai de outro.

Você pode ser um médico, e querer mudar a sociedade. Você pode ser um advogado, delegado ou juiz, e querer mudar a sociedade. Você pode ser um engenheiro, um grande arquiteto, e querer mudar a sociedade. Você pode ser um professor… oh! E querer mudar a sociedade. Mas vamos e convenhamos: pouquíssimos conseguem.

Acho é que ninguém anda mais conseguindo.

Os percalços da rotina e do estresse da vida moderna são muitos, e invariavelmente esses profissionais acabam entrando numa “linha de montagem” e seguindo o rebanho, fazendo e falando a mesma lenga-lenga de outros que vieram antes, e de outros que virão depois.

Parece que tudo ficou mesmo banalizado, e a humanidade se encontra numa chatice só.

Eu tenho andado muito por aí e visto as caras das pessoas. Seus rostos nas ruas expressam desejos irrealizáveis, pânico, insegurança e insatisfação. O caos tecnológico e a piração virtual deixaram sequelas graves nessa cambada de gente podre. Eles andam sonhando com um mundo que foi gaseificado para eles numas latinhas de refrigerante ou cerveja, ou dobrado junto com aquelas roupas que ficam nas vitrines de lojas chiques do shopping center.

Estão todos vivendo nas cabeças de uma meia dúzia de publicitários movidos a ecstasy e skank.

Parece que é isso. É isso aí, de fato.

Chacoalhe todo mundo num coquetel de pressa, dinheiro e redes sociais, e despeje no copo da realidade diária e insana, eis o que você tem: essas pessoas com quem você convive, a humanidade perdida e ensandecida, louca para ainda encontrar por aí alguns gurus que lhes expliquem o sentido.

O sentido de tudo isso.

Não há.

Não há!

Pois não há, não há, e não há!

Não arruma você mesmo algum sentido pra vida, pra você ver onde vai parar.

É por isso que eu ando querendo deixar as coisas mais divertidas.

Eu acho que o mundo está ficando carente de algumas emoções mais autênticas. Maior espontaneidade. As pessoas andam muito cheias de mentirinhas, desculpinhas, tudo para não ferir, não magoar ninguém, mas continuar tudo organizado, sem aquelas soluções que só a VERDADE pode impor.

Às vezes, é salutar ter menos ordem, e mais confusão.

Pois eles organizaram a coisa demais. Eles deixaram tudo certinho demais. Só que agora ficou chato.

Quando você segue muitas regras, não há uma frestinha só para arejar certa autenticidade.

Então, penso que realmente aceitei essa tarefa para alterar um pouco as coisas. Pro inesperado. Pro divertido, irracional e inesperado das situações.

Ver um pouco o circo pegar fogo.

Ele vai passar exatamente às 12:45.

Eu e minha mira inabalável estaremos aqui, aguardando, na companhia de três projéteis 99 milímetros que deverão ir morar bem dentro da cabeça dele.

Aquele ministro vagabundo.


*Este texto não reflete a opinião pessoal do autor a respeito do uso de violência através de armas de fogo como forma de legitimar ações de cunho político ou moral, e constitui tão somente uma obra artística de ficção, assim como outras deste blog (postagens "Um Cara Legal", "Carta para um Amor Perdido", de julho de 2018), que deverão compor um romance a ainda ser futuramente lançado pelo autor, com o título provisório Dácio, o Atirador.