sábado, 25 de maio de 2019

MITOMANIA: um mal psicológico perigoso e crescente


Semana passada, ocorreu em New York o julgamento de Anna Sorokin, uma jovem russa de apenas 28 anos que, desde 2016, quando se mudou para os EUA após deixar sua família na Alemanha (morava lá desde os 16 anos de idade), construiu uma das mais notáveis carreiras criminosas como estelionatária na América. 

A jornada de Anna como "171" - gíria brasileira que designa essa galera que dá golpe, falsifica e mente para obter vantagens financeiras e pessoais - era de alto refinamento. Se dizendo herdeira de uma aristocrática família germânica, ela passou a utilizar o falso nome de Anna Delvey e, com muita inteligência e perspicácia, conseguiu se aproximar das pessoas certas, nos momentos certos, fazendo amizade com a alta elite nova-iorquina devido aos seus extensos conhecimentos sobre o mundo das galerias de arte chiques na Europa e EUA.

Anna se dizia herdeira de uma fortuna de mais de 60 milhões de euros (cerca de R$ 261 milhões), e passou a morar em hotéis cinco estrelas, frequentar festas exclusivas da grã-finagem, e viajar em jatos privados dos amigos. Tornou-se figurinha tarimbada e cheia de curtidas milionárias no Instagram, onde também deixou registradas as suas marcas de pseudo riqueza. 
Anna lacrando o Insta...

Além disso, como forma de realçar a ostentação, gostava de distribuir altas gorjetas aonde quer que fosse.

Detalhe: é filha de uma família humilde na Alemanha, e seu pai é um simples caminhoneiro. Eles ainda não entendem o que deu errado na criação de Anna para ela aprontar tudo isso.

A casa começou a cair em 2018, quando apareceram as primeiras queixas de rombos e prejuízos de hotéis e restaurantes caríssimos da cidade. De alguns, ela simplesmente consumia e se ausentava sem pagar a conta, para nunca mais aparecer. Dar o cano na hora de pagar era o seu modus operandi padrão. Alguns bancos de New York também começaram a oferecer representação contra Anna, visto que ela se utilizava de um esquema bastante facilitado pelo crédito fácil de certas instituições financeiras: fazia depósitos de cheques sem fundo de alto valor nas contas, e antes que o banco se desse conta de que o cheque era "borrachudo" (lá não fazem primeiro a conferência), ela sacava grande parte do valor do mesmo em dinheiro. 

Em suma, uma perfeita pilantrinha.


O interessante é que a história de Anna esbarra em outras de famosos falsários, pessoas com um elevado grau de inteligência, que se faziam passar por aquilo que não eram - é o caso do célebre Frank Abagnale Jr., cuja vida virou filme pelas mãos de Steven Spielberg (Prenda-me Se For Capaz, 2002, com Leonardo DiCaprio no papel), e até mesmo do brasileiro Marcelo Nascimento, que se fez passar por herdeiro do dono da empresa aérea Gol, e enganou o high society e até mesmo equipes de TV. Sua trajetória também foi para as telonas, encarnado pelo ator Wagner Moura no sucesso de bilheteria VIPs, de 2011.

Mas o que intriga mesmo no caso de Anna e todos esses outros, é um traço comum presente na personalidade deles: a ocorrência da mitomania.

Essa disfunção psicológica, já classicamente diagnosticada, é a compulsão do indivíduo por mentir, de forma a melhorar a sua autoestima, produzir sensações de prazer pessoal, e adquirir vantagens pessoais e profissionais, podendo chegar a condições tão agudas, que o paciente acometido por esse mal pode até mesmo confundir aquilo que ele inventa com a própria realidade. 

É o famoso "mentir tão bem, que se acredita na própria mentira".


Dois sucessos do cinema que retratam figuras mitômanas: "Prenda-me Se for Capaz" (Catch me If You Can, 2002), e "VIPs" (2011)

Em todos os seus mais diversos tipos, o "mitômano" é alguém que se satisfaz enganando os outros, tentando projetar externamente uma realidade paralela produzida pela sua própria imaginação fértil, e assim como na psicopatia, sem se preocupar com as consequências geradas a partir disso. 

Até mesmo a mais completa ausência de remorso é um traço bastante comum entre mitômanos e psicopatas - durante seu julgamento, conforme pode ser visto nas reportagens pela TV ou vídeos no YouTube, Anna se portava de maneira displicente, leviana, como se nada de errado tivesse acontecido, e apesar de no final da audiência ter expressado pedidos de desculpa pelo que fez, admitiu que não se arrependera "tanto assim" dos seus atos.

A mitomania é, portanto, patologia de natureza psiquiátrica, séria e comprometedora: o mitômano pode causar enormes danos às vidas de outrem e de si mesmo, pois em diversos momentos não tem a capacidade de distinguir entre uma imagem que cria de si mesmo, de uma que apresente o que realmente é. E nesse processo disfuncional perceptivo, causa engodo a todos aqueles que o cercam, ocasionando prejuízos financeiros, éticos, morais, e que podem gerar até mesmo situações de violência e agressividade. Não é preciso ir muito além para dizer que o mitômano acaba colocando a sua própria vida em risco, dependendo da pessoa para quem ele mente.

Ao ser detectada, deve ser buscado, urgentemente, auxílio médico profissional para lidar com o problema - há tratamento para isso.

Nesses tempos de dubiedade moral em que vivemos, em que toda uma nova geração de indivíduos se embevece ao postar fotos em redes sociais, criar mitos virtuais sobre suas experiências e personalidades, e invariavelmente se deixar atrair pela ostentação e pelos sedutores números de curtidas e de seguidores, nunca é demais ficar de olho em nossos mais diversos contatos, para checar se ninguém está sofrendo desse mal...

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