domingo, 15 de julho de 2018

AUTODESTRUIÇÃO E INSATISFAÇÃO


Há um trecho interessante em “Aniquilação” (Annihilation - 2017, EUA), exibido na Netflix, em que a personagem vivida por Jennifer Jason Leigh, uma psicóloga (Dra. Ventress), conversa com a protagonista Lena (desempenhada por Natalie Portman), colocando um ponto de vista sobre a diferença entre os seres humanos cometerem suicídio e autodestruição. 

Em sua brilhante análise, ela diz que pouquíssimos são suicidas. Raros aqueles que pegam um veneno para tomar, ou apontam uma arma na cabeça para acabar logo com tudo, duma vez. Mas todos são autodestrutivos - se destroem todos os dias, gradualmente e sem se aperceber, fumando, bebendo, contraindo brigas, ambições e atrações desmedidas, arruinando suas vidas, arruinando relacionamentos ou casamentos felizes… por puro impulso. Instinto.

Ao final, ela sugere a Lena que ela, por ser bióloga, pode explicar isso melhor. Afinal, a tendência para a autodestruição é algo codificado em nós. Está nos genes.

É um filme notável, que prende a atenção, e de um bom gosto incrível tanto na construção da trama quanto na escolha dos atores. Além de abordar uma série de questões e dramas existenciais, tem uma belíssima trilha sonora, que faz uso de delicados temas acústicos para pontuar as sequências mais emotivas, bem como da clássica canção "Helpless Hoping", do grupo Crosby, Stills & Nash, cuja letra cai como uma luva na angustiante trama da personagem central Lena.

Vantagens do filme à parte, sempre me intrigou essa ânsia irracional, a inquietude que atira uma pessoa à sua própria desgraça, inconsequentemente, e que permeia todo o roteiro. 

Há de ser isso uma patologia ainda não identificada? É mais comum e congênita do que imaginamos, pois.

O desejo de se querer algo que está sempre além de nosso alcance exprime uma premissa básica desse desassossego tão comum a todos. E que pode realmente fundamentar uma predisposição natural a destruirmos tudo aquilo em que encontramos conforto e nos faz bem - parece ser, no final das contas, o eterno descontentamento com o que já se tem.

E então, parte-se em busca do novo.

Rompem-se amarras.

Extermina-se o menor pudor de se enfrentar o medo, o desconhecido.

Prazer pelo simples prazer da destruição, do caos reorganizador das coisas? Vontade de mudanças, antes eu diria.

Sigmund Freud, em um dos seus mais famosos postulados, já assevera que, dentre os milhares de objetos que existem nesse mundo, não há um só que satisfaça totalmente o ser humano.

Ou seja, não existe o objeto absoluto - pois por absoluto devemos entender aquele que é causador da satisfação plena, visto que a angústia e a falta são sentimentos naturais do ser e que tendem a relativizar a importância do objeto de desejo, reduzindo-a conforme a conveniência de sua tara. Isso nos torna eternos insatisfeitos.

Já te satisfez? Então acabou a satisfação, a conquista do objeto desejado - parte-se em direção a outro, ainda não possuído, dominado, ou devorado.

Eis a concepção matter da insatisfação - ela se perfaz em sucessivas satisfações relativas, e esgotáveis.

E assim, o ser vai se destruindo, se corrompendo e consumindo, extinguindo a força vital de suas células no sedutor e inevitável jogo do querer sempre mais.

E mais. 

Insaciável. Sem parar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário