segunda-feira, 23 de julho de 2018

FEITIÇO DE MULHER


Os primórdios da bruxaria remontam à época medieval das Cruzadas, quando a Igreja Católica influenciou principados a tomar e dominar reinos em nome do cristianismo - infelizmente, provocando alguns dos maiores banhos de sangue da história humana sob a égide da igreja católica.

Mas relatos ligados às práticas místicas das bruxas podem ser encontrados em épocas bem anteriores, inclusive na Grécia Antiga e no Império Romano a.C.

Basicamente, a bruxaria originou-se nas primeiras aglomerações femininas da humanidade, em eras muito remotas, quando diversas crenças milenares e politeístas ainda caminhavam sobre a Terra, e cimentou fortes bases no folclore e nas tradições nórdicas e celtas, em povos que foram os últimos a ceder à pressão dos papas para que o mundo fosse unificado em torno da crença em um só deus (monoteísmo), antes da Era Moderna.

Com o advento do cristianismo através da igreja católica, a inevitável perseguição às bruxas - cujos conhecimentos representavam uma ameaça para a nova ordem religiosa estabelecida - fez com que buscassem refúgio na Wicca, religião neopagã arraigada na cultura da Europa Ocidental, uma das únicas que preservaria os princípios físicos e naturais das antigas religiões politeístas, de ligação com as divindades da natureza (ciclos de vida para o plantio e a colheita, fases da lua, e os festivais sazonais popularmente conhecidos como sabás).

A clássica imagem da bruxa sempre despertou fascínio em todos aqueles que, alguma vez, já se enveredaram nos estudos do ocultismo e dos saberes pagãos e, ao contrário do que muitos podem pensar em consonância com a cultura popular (ou vulgar), “bruxa” não é uma senhora velha, feia, e desdentada, de chapéu pontudo e vassoura na mão, que fica urdindo feitiçarias em um caldeirão.

As verdadeiras bruxas, em verdade, são seres muito mais interessantes, exóticos (ou eróticos?) e sofisticados do que nossa vã filosofia pode conceber. Sua autêntica cultura tem mais a ver com o culto ao poder, os dons e a sabedoria natural da mulher (instinto, “sexto sentido”), bem como suas nítidas ligações com as forças telúricas. Todas atendem ao chamado cosmicamente íntimo, da ancestral e irrepreensível mãe natureza: a Mãe Terra.

São cultuadas 3 divindades básicas que, juntas, compõem a deidade feminina tríplice, que rege a vida de uma mulher do início ao fim: Jovem, é a mulher nova, que ainda não pariu, e é representada pela lua crescente; Mãe, é a mulher que já tem a experiência da maternidade, e é representada pela lua cheia; e Anciã, a deusa que possui filhos ou filhas que já entraram para o ciclo de renascimento, ou seja, já geraram também outros seres, representada pela lua minguante.

Todas elas recebem as saudações de mestres e aprendizes durante a noite, nas danças realizadas ao redor da fogueira.

Para os celtas, havia um simbolismo muito forte em torno da figura feminina: em um mundo antigo, onde a cultura machista ainda predominava de modo absoluto, é interessante notar como, dentre eles, a mulher era respeitada, pois era um ser que sangrava todo mês, e não morria.

Assim, no conceito milenar das bruxas, a mulher não é um sexo frágil.

Mas também, não há que se falar em sexo forte ou sexo frágil, pois para a tradição bruxa, cada um tinha o seu poder peculiar e a sua representação vital (o masculino e o feminino), e eram como as duas metades essenciais para se formar o todo do ser humano sobre a Terra - conceito filosófico que basicamente reaparece nas tradições orientais e cabalísticas, e no Yin-Yang da cultura chinesa taoísta: um habita no outro, e são inseparáveis, onde Yin é o princípio feminino e noturno - é a mulher, representada pela escuridão, pela noite e seus mistérios. E Yang é o princípio masculino, diurno - o homem é a luz, o dia, a atividade intensa e transparente.
O símbolo do Yin-Yang: o claro representa o homem, mas a mulher está nele. O negro representa a mulher, mas o homem está nela

Da mesmíssima forma, na cultura céltico-druida, o homem era o representante do dia, o avatar da pesca e das caças, da força bruta e da razão, da luta pela sobrevivência e do uso de ferramentas, brigas e discussões políticas, sempre o lado prático. Vencia pela força e pela voz, os braços e a ira.

A mulher, por sua vez, era a representante da noite, de sua sensibilidade, desejos e mistérios, sempre intuitiva e passional, mestra nas tradições de mãe para filha, e na manipulação de alimentos e remédios, conhecedora das artes de cura. Vencia pela emoção e o silêncio, os olhares e o amor.

Dessa forma, já começa a se desenhar nessas sociedades primitivas um papel que será sempre próprio das bruxas - as guardiãs de uma sabedoria mística poderosa, e inacessível à raça masculina. Detentoras das canções, preces e sortilégios!

E quando falamos em simbolismos, há que se destacar nesse detalhe um dos fatos mais cruciais em relação às tradições pagãs: o caldeirão, esse instrumento de trabalho tão caro ao exercício feiticeiro, para os praticantes da wicca, não pode nunca ser manipulado por um homem, por mais bruxo e conhecedor do ocultismo que seja. Nas tradições telúricas, o caldeirão é o útero - só a mulher conhece realmente o seu conteúdo, os seus temperos e cozimentos, o seu mistério.

Assim como ocorre com o caldeirão, outros simbolismos básicos da vida de uma bruxa nasceram em decorrência da perseguição sofrida por elas durante o período da Santa Inquisição, quando foi registrado o maior número de mulheres queimadas vivas na história da humanidade - e muitas delas apenas por suspeitas, sem que os padres ou sacerdotes conseguissem ao menos comprovar que realmente realizassem mandingas ou proezas sobrenaturais, naquele que se configurou como um autêntico genocídio abominável, em uma série de processos bárbaros e injustos, que mancham até hoje a reputação da Igreja Católica Apostólica de Roma.
Representações artísticas em quadros e afrescos sempre retrataram as bruxas sob um viés sombrio e maligno

Muito do que compõe a trajetória das bruxas, na humanidade, se ergueu na base do puro mito. Eram mulheres como quaisquer outras, que vemos e conhecemos em nosso dia a dia!

Para escaparem da Santa Inquisição, entretanto, elas se viram forçadas a criar códigos para que pudessem se comunicar entre elas sem correr perigo, e foi justamente isso que originou uma série de crendices em torno dos hábitos e rituais das bruxas.

Por exemplo:

a) Vassoura - a mais pura representação de que a “bruxa”, na verdade, era casada, ou tinha um romance, interesse amoroso fixo, por um homem. A vassoura era um símbolo do poder da mulher no casal, pois conjugava a energia masculina (no cabo, madeira) com a energia feminina (na palha), assim formando a união homem-mulher no intuito de “limpar a sujeira da terra”, “manter a casa limpa”. Ou seja, simbolizava que a harmonia no casal criava um equilíbrio cósmico, e mantinha o lar protegido contra invasões, olho gordo, moléstias e males externos. Era um ícone do poder feminino sempre presente nos encontros de bruxas - reuniões noturnas e sabás ao luar. À medida em que os soldados das Cruzadas passaram a tomar conhecimento dessas reuniões, e observá-las de longe para contar aos sacerdotes da Inquisição sobre quem participava, criou-se o mito de que as mulheres eram feiticeiras e usavam suas vassouras para fazer magias e levitar - quando, na verdade, apenas estavam as utilizando como representações do homem, em suas danças.

b) Ingredientes ‘mágicos’ - é comum, em histórias de bruxas, ouvirmos falar em receitas utilizando “asas de morcego”, “olhos de lagartixa”, “pele de cobra”, e outros elementos de caráter repugnante. Nada mais eram do que códigos que as próprias bruxas criavam e estabeleciam, entre si, de receitas comuns, como bolos, sopas, pães, caldos, e demais iguarias, deliciosas e especiais, mas de preparo altamente secreto, visto que para elas o conhecimento acerca do prato perfeito sempre foi uma das coisas mais caras e importantes de sua tradição. Através da receita correta, podiam conquistar, seduzir, induzir, fazer nascer ou fazer matar - compunham uma arma de manipulação da psique e do desejo masculino tão potente e interessante quanto o sexo. Nesse sentido, também detinham o conhecimento sobre diversos pratos afrodisíacos! Assim, muitos ingredientes comuns, como o alho, gengibre, canela, diversas carnes, e variados tipos de temperos e ervas, recebiam esses “apelidos” estranhos, para disfarçar o real conteúdo das receitas. Já ouviu falar que o peixe morre pela boca? Pois é, esse ditado popular era levado super a sério pelas bruxas - o peixe geralmente era o homem.

c) Gato - Eternizou-se a imagem do felino como o animal doméstico preferido das bruxas, especialmente o preto - mais uma crendice desenvolvida com base na figura noturna da mulher, naqueles tempos. Mas os gatos passaram a se tornar interessantes para várias mulheres acusadas de bruxaria na era Medieval por um motivo muito simples e prático: são animais mais livres e independentes, que não demonstram tanto apego e carência como os cães. Em decorrência das diversas vezes em que uma mulher acusada de bruxaria tinha que “sumir” - se mudar, ou fingir que se mudava por uns tempos de sua residência e depois voltar, para despistar os algozes da Inquisição e não morrer na fogueira - era penoso para muitas delas ter que manter um animal de estimação mais dócil e presente, como o cachorro. Então, a escolha inevitavelmente recaía sobre os gatos, que também debandavam, mas depois sempre estavam de volta por ali, sem necessitar tanto dos cuidados de suas donas.

Injustamente marcadas pelo estigma histórico como “vilãs”, ou criaturas do mal, em mais um reflexo grotesco deixado pelos paradigmas católicos, as bruxas e suas influências remanescem notavelmente, ainda nos dias atuais, em uma grande parte das representantes do sexo feminino.

Irresistivelmente fascinante o encanto que certas mulheres exercem não só com a expressão de seus pressentimentos, gracejos, maquiagens ou dotes culinários, mas também com os seus olhares, seus sorrisos, vozes, e os mais sutis gestos, seja num jeito de andar com rebolado lento e charmoso, seja ao mexer manhosamente nos cabelos.

O poder das ancas que abarcam no campo de visão masculino, os quadris e nádegas se movendo em uma dança natural e convidativa enquanto caminham, bem como o leve desembaraçar de longos fios que correm nas costas (e às vezes batem na cintura) são reminiscências femininas que remetem às danças ancestrais sob a luz da lua, e mexem com a libido de qualquer homem de verdade, atiçam maravilhosamente.

A paixão e desejo dos homens pelas mulheres tem formado, ao longo de séculos da existência humana, um complexo mosaico histórico de transformações, que justificam a proeminência magnífica da união desses dois sexos nas mudanças e evolução de nossa raça - a Guerra de Tróia, causada pela luta entre dois homens pela belíssima Helena, ou o ardente amor de Marco Aurélio por Cleópatra, que o levou a querer derrubar o imperador Otaviano, para conquistar e oferecer o Império Romano a ela, são apenas alguns dentre esses milhares de fatos.

E é inevitável lembrar que, em diversos momentos como esse, a chama da paixão foi acendida por essa milenar e uterina magia feminina, tão típica das bruxas.

Toda mulher carrega em si algo desse fogo sedutor.

Quem de nós homens, afinal, nunca se perdeu de loucura pelo amor de uma delas?

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