domingo, 30 de junho de 2019

BAUMAN E O EXERCÍCIO DIÁRIO DO DISCERNIMENTO


Faz pouco tempo (9 de janeiro de 2017), faleceu um dos mais importantes filósofos da contemporaneidade, o polonês Zigmunt Bauman, autor da célebre teoria da modernidade líquida.

E o que reza essa teoria?


Que nosso mundo entrou numa volubilidade intensa e irreversível de gestos e pensamentos, onde tudo praticamente é ditado pela efemeridade das relações, ações e reações humanas. "Vivemos em tempos líquidos, nada foi feito para durar", se tornou uma de suas mais famosas máximas, e que resume bem o seu pensamento. 
Zigmunt Bauman (1925 - 2017)

No mundo atual, o senso de modernidade em que vivemos se contrapõe ao sentido antigo da palavra - em outros tempos, para nossos pais ou avós, "modernidade" era um termo que se referia a mudanças coletivas e abrangentes para o todo social, visto que se refletiriam em uma maior segurança e bem estar para a humanidade. 

Hoje, "modernidade" passa a ter muito mais o sentido de trazer mudanças significativas para o indivíduo, do que para o todo em que ele está inserido - ainda que ele necessite do todo para viver e interagir. Exemplo disso são a velocidade das informações, dos relacionamentos e contatos, bem como das opiniões e atitudes individuais, reforçando esse sentimento que vivemos de não conseguir manter uma mesma identidade por muito tempo: vive-se uma notável efemeridade e fragilidade dos laços humanos, cimentando a superficialidade das emoções e ideias. 

E óbvio, tudo isso turbinado pelos avanços tecnológicos. A possibilidade de alavancar vários relacionamentos sem, de fato, se aprofundar em nenhum. 

A troca de informações e sentimentos é rápida e constante.

No mesmo momento em que somos tomados pela perplexidade de uma informação ou situação, outra já vem logo a seguir para avassalar nossos sentidos, de forma substitutiva.

"O líquido sofre constante mudança, e não conserva sua forma por muito tempo". Assim são nossos gestos e opiniões atualmente, ditados pelo ritmo frenético do cotidiano. Se amoldam às situações tal qual a água num copo, bem como são chacoalhados ou borbulham da mesma forma. 

Basta imaginar o frisson vivido pela chegada do homem à Lua, e o efeito de prazer e superação coletiva que isso causou em todo o planeta, em 1969. Eram tempos em que um feito extraordinário como esse era observado, repercutido, vivenciado e degustado pela mente coletiva (opinião pública) durante muitos e muitos dias, símbolo também de uma época em que os meios de comunicação eram mais moderados, e a informação, mais lenta. 

Imagine se isso, hoje, causaria o mesmo impacto.

Não há mais que se falar em uma modernidade sólida, pois. Isso foi em um outro estágio da humanidade. Agora há, isso sim, uma modernidade líquida.

E o efeito dessa onda atinge a vivência das mais diversas formas.

Quantas vezes você ou pessoas conhecidas suas já não observaram que diversas tendências do conhecimento também padecem dessa falta de solidez e permanência? "Ah, já não se fazem mais músicas ou filmes como antigamente". Ou "as obras de arte atuais não são tão relevantes quanto as de outrora". 

Teremos um outro movimento como o Barroco, o Cubismo ou o Renascentismo?

Que outros filmes recentes você consegue se lembrar que se tornaram tão referenciais quanto um "Ben-Hur" ou "O Poderoso Chefão"? Por que as grandes obras atuais da sétima arte fogem da busca pela originalidade e se afundam em referências, sempre regurgitando o passado? (Vide um poço delas, chamado Quentin Tarantino...).

E as músicas? Pop, sertanejo e funk descartáveis? Serão tocadas novamente daqui a dez, vinte ou cinquenta anos? Ou isso continuará sendo um mérito de gente como Elvis Presley, Chico Buarque, Roberto Carlos, Beatles, ou até o mais recente Michael Jackson?




Filmes como "Ben Hur" (1958) e "O Poderoso Chefão" (1972) - imagens acima - sobrevivem à prova do tempo, e se tornaram referências culturais permanentes

Tudo isso passa a ser um mero sinal de que a nossa vida moderna escorre por entre os dedos, e nos escapa. 

Gostamos de tudo, e ao mesmo tempo não gostamos de nada. Odiamos diversas coisas, e ao mesmo tempo, não odiamos nada. Não há como se afixar a coisa alguma. Pois se antes, o binômio "espaço-tempo" progredia de uma forma ascendente do espaço em relação ao tempo, agora se inverteu: é o tempo que se projeta numa relação ascendente em relação ao espaço.

E então você me pergunta: "Ok! Mas se Bauman falava que agora é assim, fazer o que?".

Bem, sempre há algo a se fazer.

Bauman era um legítimo representante da sociologia humanística - e como tal, expunha as suas ideias como uma forma de crítica ao fim do ser humano como vítima de suas próprias artimanhas. Sobretudo, tecnológicas. A proposição de suas teorias nos convida a refletir sobre as nossas próprias possibilidades de contemplação da realidade, e mudanças internas e externas. 

E se por acaso, fizéssemos um exercício diário de reflexão das nossas prioridades existenciais? 

Passar a trabalhar nossos egos, para discernir o que realmente deve vir e ir, ser volátil e inconstante ao léu do tempo, e por outro lado, o que deve ser forte e presente, sólido e rígido em nossas consciências, atos e costumes, de forma a sempre nos agregar mais e nos tirar menos.

Para muitos, existe uma verdade insofismável, principalmente para os não partidários das crenças post mortem: de que a vida é muito curta, e o ser humano, afinal, nunca estará definitivamente preparado para o momento final. Diante disso, é inevitável que aproveitemos melhor nossos momentos neste plano terrestre.

Você já parou para refletir o que, em sua vida, é realmente descartável?

E o que deve ser perene, e fixo? Mantido como imprescindível?

Faça uma análise. Não custa tentar.

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