sábado, 30 de março de 2019

ESPERANDO PARA VOAR... (E a Borboleta de Ferro)

Eu e meu caçula, Denio Alves Filho, numa das melhores viagens de nossas vidas

“Dê asas à sua imaginação”
(Provérbio tradicional de estimulação à criatividade das pessoas)

“Red Bull te dá asas!”
(Slogan publicitário utilizado pela marca de energéticos ‘Red Bull’ em suas propagandas)

“Vocês humanos parecem cultuar tudo que voa”
(Frase dita pela personagem de Sarah Douglas, a vilã kriptoniana Ursa, em trecho do filme ‘Superman 2’ – 1981)


Poucas coisas inspiram tanto o ser humano quanto o desejo de voar.

Do antigo mito grego de Ícaro, que queria voar até o sol e acabou queimando as suas asas, até as mais contemporâneas agruras dos ingleses irmãos Wright e do nosso Santos Dumont, para inventar um meio de transporte que plainasse sobre as nuvens (polêmica sobre a criação do avião que teima em reacender opiniões até hoje), o ato de conseguir se locomover nas alturas sempre fascinou sobremaneira a humanidade.

Engraçado. No meu último voo, há alguns dias atrás, ocorreram alguns revezes que atrasaram a viagem de ida a São Paulo, onde iria participar da festa de aniversário de minha sobrinha. E calhou de eu conhecer um piloto de jatos particulares, um senhor já experiente, com mais de 20.000 horas de voo e passagem por companhias aéreas famosas (e já extintas), como Transbrasil e Vasp. 

Cara com uma carreira e tanto.

Mediante os problemas que estávamos encontrando para embarcar, ele veio com essa: “É o que eu sempre digo, o avião continua sendo o meio de transporte mais rápido... para quem não tem pressa.”

Dei boas gargalhadas diante de tão mordaz comentário.

OK, uma vez que você consiga estar lá dentro e afivelar teu cinto, beleza – é noventa e nove por cento que um trajeto de maneira confortável e segura irá ocorrer. O problema é chegar lá dentro.

Ainda há um considerável despreparo de certos profissionais e agências para garantir ao consumidor que horários sejam confirmados e garantidos, e obviamente a infraestrutura e (falta de) profissionalismo de alguns aeroportos nacionais influem bastante nisso.
Você já tinha visto uma cena dessas? - uma escada de embarque derrubada pela força do vento!

Avião é muito rápido, e contrariando o sentimento popular comum, estatisticamente continua sendo o meio mais seguro de viajar. Observe o tanto de checagens e testes de segurança que são feitos nas aeronaves – muito mais do que em veículos que trafegam por terra e água. O controle de tráfego aéreo ainda é uma coisa formidável, do qual os outros meios de transporte deviam tirar alguns exemplos para evitar lamentáveis acidentes por aí, principalmente envolvendo veículos comerciais e de grande porte, como caminhões e carretas (alô, alô transportadoras).

As quedas que ocorrem, vez ou outra, viram combustível para a imprensa que tende a ampliar o alarde de tudo, sempre faminta de manchetes. Mas basta olhar estatisticamente, para ver que as estradas ainda matam muito mais gente do que as vias aéreas.

O Brasil continua sendo um país muito ruim de aviação, tanto no quesito infraestrutura quanto companhias de voo. 

Tinha que oferecer mais e melhores serviços, com mais companhias, mais aeroportos, mais oferta – competitividade alimenta qualitativamente a demanda, e temos ainda uma quantidade de voos comerciais pequena, em relação a outros países.
Já melhorou muito. De dez anos para cá, o brasileiro anda conseguindo bem mais viajar de avião, graças a pacotes e promoções exclusivas de empresas como Latam, Gol, Azul e outras. Mas dá para melhorar mais, muito mais.

Portanto, se você já voou, ótimo. Voe mais, é muito bom. Procure ofertas, dê preferência aos pacotes promocionais em sites, e evite as rodovias, que já andam lotadas e estressantes. A aviação comercial brasileira precisa continuar trabalhando e sendo estimulada para crescer mais. Nessa ocasião que comentei no início deste texto, foi a primeira vez que meu filho voou - e foi um prazer inenarrável estar junto com o garotinho nesse momento tão legal!

Mas tocando no tema ‘voar’, logo depois que voltei para casa fui matar a saudade de um som que já não ouvia fazia tempo, e especialmente ligado a coisas aladas, visto que eu ainda estava com as nuvens na cabeça (ou seria a cabeça nas nuvens?). 
Um som de rock pesado mas viajante ao mesmo tempo, realmente capaz de fazer a mente voar!

Não... errou quem pensou em Led Zeppelin - sabe da piadinha envolvendo a criação do nome do grupo? Algo pesado mas capaz de subir aos céus, um ‘zepelim de chumbo’?
O Iron Butterfly - da esquerda para a direita: Doug Ingle, Lee Dorman, Ron Bushy, e Erik Brann

Na verdade, estou me referindo ao Iron Butterfly (ou seja, “borboleta de ferro”), banda icônica do final dos anos 60, que iniciou junto com outros dois grupos americanos da época (Vanilla Fudge e Steppenwolf) o lance de misturar o combo guitarra/baixo/órgão/bateria de uma forma bem densa e agressiva, assim dando início a uma das sonoridades mais clássicas dos primórdios do hard rock.

Gente como Deep Purple, Uriah Heep e outros seguiriam essa vertente com discos de bastante sucesso logo depois, cada um conseguindo a seu modo resultados diversos...

O Butterfly, assim como o Led Zeppelin (que ainda surgiria uns dois anos depois) também moldava as suas músicas de uma forma que ficassem pesadas, mas capazes de ir aos céus, de tanta altura – o grupo chegou a ser catalogado uma vez no Guiness Book, o célebre livro dos recordes, como o que tocava mais alto em concertos e festivais, no período 1968-1970, devido ao potentíssimo equipamento de som que possuíam para apresentações ao vivo. A única banda que conseguiria fazer frente a eles, alguns anos depois, seria o Pink Floyd.

Contribuíam para o seu peso com nuanças psicodélicas os integrantes Lee Dorman (baixista), Ron Buschy (baterista), Erik Brann (guitarrista – entrou para a banda com apenas 17 anos, um prodígio!), e o líder Doug Ingle (teclados e vocais).

A banda ficou famosíssima devido a uma das primeiras faixas extensas do rock (ocupava um lado inteiro do vinil original), uma ousadia na época em que canções pop de até 3-4 minutos ainda ditavam as regras nas rádios, e isso demonstrava a força criativa e progressiva de novos tempos que estavam chegando: "In-A-Gadda-Da-Vida", música intensa e de levada hipnótica e insana, esbanjava poder em todos os seus gloriosos 17 minutos de duração.

Na verdade, tratava-se de uma jam em estúdio, uma improvisação dos quatro músicos em torno de um pequeno tema principal e sombrio de Ingle, que satirizava ritmicamente variações em torno das trilhas sonoras de filmes de terror 'B', dos estúdios Hammer, Vincent Price, Boris Karloff e galeria ltda., tão em voga nos anos 60. A formação calcada em música clássica do tecladista o deixava confortável para explorar aquelas notas obscuras, que davam um tom tenebroso à canção.

Enquanto letra, "In-A-Gadda" era ridícula. Mas talvez fosse nessa simplicidade que residia toda a sua força - o interessante não era o que era cantado, mas sim a longa viagem instrumental que a precedia:

"In a gadda da vida, honey
Don't you know that I'm lovin' you
In a gadda da vida, baby
Don't you know that I'll always be true
Oh, won't you come with me
And take my hand
Oh, won't you come with me
And walk this land
Please take my hand"

(In a gadda da vida, querida
Você não sabe que estou apaixonado por você?
In a gadda da vida, benzinho
Você não sabe que serei sempre sincero?

Oh, não queres vir comigo
E pegar na minha mão 
Oh, não queres vir comigo
E caminhar por essa terra
Por favor, pegue minha mão)
In-A-Gadda-Da-Vida - Iron Butterfly

Muito já se especulou a respeito da origem do intraduzível termo "in a gadda da vida".

Falou-se até que teria surgido de uma visita dos integrantes da banda ao Brasil em 1967, quando teriam frequentado alguns bordéis do Rio de Janeiro e, já encharcados de bebida e rindo com a mulherada, tentavam pronunciar uma expressão em português que haviam aprendido: "na gandaia da vida".

Kkkkkk... Pura lenda. Fake news - isso não aconteceu.

Na verdade, Doug Ingle e Lee Dorman estavam meio travados mesmo nas primeiras tentativas de ensaiar a música, mas a ideia original era de que se chamasse In the Garden of Eden - ou seja, "no jardim do Eden". 

Como o produtor que acompanhava as sessões achou engraçado eles bêbados e murmurando a frase de uma forma totalmente grogue, ele rabiscou na lata da fita de gravação do estúdio: in-a-gadda-da-vida. E assim ficou. Os músicos do grupo gostaram da sonoridade estranha do nome, e resolveram deixar.

O álbum contendo a faixa, homônimo, saiu em 14 de junho de 1968, e arrebentou nas vendas, devido justamente à loucura da longa música, que rompeu barreiras culturais e se tornou fundo musical obrigatório para hippies californianos enquanto estavam nas tribos "dando um beque".

Também tornou-se mitologia pop o uso desse som pelos radialistas da época que pegavam o duro horário da madrugada, em que era preciso ficar pondo uma música atrás da outra enquanto não rolavam os comerciais. Com a comprida "In-A-Gadda..." ocupando o espaço radiofônico de umas 3 ou 4 músicas de uma vez, dava tempo tranquilo de locutores e DJs irem ao banheiro passar aquele fax, enquanto a música tocava para ouvintes notívagos e insones, rsrs.

Um fato lamentável - e tão comum também a várias outras bandas daqueles tempos - é que eles logo descobririam que ficaram prisioneiros desse único hit: nos shows, o público só pedia e queria ouvir "In-A-Gadda", e o desinteresse por outras composições da banda era gritante. Ao ponto de vaiarem a execução de algumas outras músicas.

Uma pena, e uma comprovação letal de que o público daqueles tempos também não era tão mais inteligente ou sofisticado do que as audiências atuais - o trabalho que o Iron Butterfly continuou realizando depois desse disco é muito bom, e possui sonoridades muito interessantes! Sem dúvida, um grupo que precisa ser redescoberto pelas novas gerações, e ganhar um merecido reconhecimento.

Como exemplo, deixo aqui para apreciação algumas músicas do disco Ball, o seguinte deles, de 1969, e gravado ainda com a mesma formação do In-A-Gadda (pois logo depois eles trocariam de integrantes).
In the Times of Our Lives - Iron Butterfly

A sonzeira aterradora e gótica ainda está ali, com músicas como "Filled With Fear" e "In the
Times of Our Lives". O grupo arrisca algumas mudanças de rumo mais melódicas, com a baladinha "Lonely Boy" e as burlescas "Her Favorite Style" e "In the Crowds".
Filled with Fear - Iron Butterfly

As músicas são mais curtas e diretas, e indicavam novos caminhos para o grupo - que, infelizmente, não teve mais o sucesso merecido para se desenvolver, e passaria por sucessivas trocas de formação até encerrar atividades, em 1974.
Lonely Boy - Iron Butterfly


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(Texto escrito ao som da belíssima “Expecting to Fly”, música de 1967 do grupo Buffalo Springfield – ouça no link abaixo)

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