sexta-feira, 1 de março de 2019

QUANDO O 'SENHOR DOS ANÉIS' ENCONTRA OS BEATLES...


Se você, assim como eu, não é lá muito de samba e carnaval, apesar da festa de Rei Momo que se aproxima, e também é fã da maior banda de rock de todos os tempos, então sente só essa novidade.

A notícia deixou muita gente de cabelo em pé, assim que foi divulgada por representantes da Apple Corporation - a empresa montada por eles e que cuida dos lançamentos de seus produtos até hoje.

Em 30 de janeiro passado, pleno aniversário de 50 anos da última apresentação dos Beatles juntos - aquele famoso show de improviso de 35 minutinhos, perpetrado por eles em 1969, no terraço do prédio da empresa em pleno horário de almoço em Londres - foi anunciado que o célebre diretor do clássico e oscarizado Senhor dos Anéis, o cineasta e produtor Peter Jackson, vai tomar conta, a partir de agora, desse que é um dos últimos e mais contraditórios legados deixados pelo grupo: os registros e filmagens daquele que seria um dos últimos álbuns deles, Let it Be.

Antes de mais nada, para quem não conhece a história deste que seria um dos derradeiros projetos dos Beatles, é preciso dizer que ele já começou errático, em janeiro de 1969.

Inicialmente, se chamaria Get Back ("Volte"), nome de uma das canções inicialmente compostas por Paul McCartney como uma homenagem ao passado do grupo, e para reanimá-los para uma série de apresentações ao vivo (já não tocavam em público há 3 anos). O pacote seria composto de um disco com canções inéditas e alguns covers de outros artistas, admirados por eles no início de sua carreira, mais um especial de TV que deveria cobrir o retorno do grupo aos palcos - de onde haviam sumido desde a grande estafa das turnês que tiveram em 1966.
Capa do que deveria ter sido o disco original, concebido como "Get Back"

Mas o clima de fim de festa que empurrava o grupo para o seu fim já era nítido: John Lennon cada vez mais envolvido com ideias artísticas e revolucionárias com a sua nova esposa, a artista plástica japonesa Yoko Ono, George Harrison desinteressado por não ter suas composições levadas a sério pela banda e querendo ir tocar com outros artistas e partir pra carreira solo, e um Ringo Starr enfastiado e entediado com as discussões dos outros integrantes, e sentindo uma grande aptidão por seguir carreira como ator de cinema. 

Restava a Paul a árdua tarefa de assumir o leme como líder do grupo (posto que anos antes era John), e tentar reagrupá-los, para reacender o interesse de continuarem juntos.

Algumas vezes, entretanto, suas ideias para criar novamente um clima de colaboração e criatividade entre os Beatles davam só o efeito contrário.

Em uma das primeiras reuniões para discutir sobre o projeto do disco e filme, assim que levantou a bandeira a respeito dos novos shows, Paul propôs que seus colegas dessem ideias dos lugares onde poderiam voltar a tocar juntos - ao que um frio e amargo John sugeriu: "Num sanatório. Isso é uma ideia louca e idiota, então podemos ir tocar lá!"

A partir disso, dá pra sacar que não foi fácil manter os quatro tocando e desenvolvendo ideias para essa empreitada. Mas eles foram seguindo, aos trancos e barrancos - e aos poucos, com a ajuda de amigos músicos (incluindo a participação do tecladista Billy Preston), e o pessoal da gravadora, o projeto foi tomando forma - agora rebatizado de "Let it Be", nome de uma nova e melancólica composição de Paul, um belíssimo tema ao piano falando sobre esperança e resignação, que acabou conquistando os Beatles e os reunindo para trabalharem de forma coesa em torno de uma música novamente.

Tecnicamente falando, o projeto Let it Be também enfrentou diversos problemas.

Primeiro, o cineasta contratado para cuidar das filmagens de todos os ensaios do grupo para o disco e show, o famoso documentarista Michael Lindsay-Hogg, recebeu uma ordem expressa de um cada vez mais neurótico Paul: ele devia filmar exatamente TUDO que eles fizessem no estúdio! Cada pio, assobio, ou até mesmo um arroto deles entre um e outro gole de chá deveria ser registrado, passando a ideia de aproximação dos fãs com a intimidade e o cotidiano do grupo o máximo possível. Obviamente que o introvertido George Harrison, e o excêntrico e genioso John Lennon, foram os que inicialmente mais se sentiram ultrajados com o lance...

Na ânsia de filmar tudo que pudesse, simultaneamente em vários momentos e sem perder nada, Lindsay-Hogg acabou preparando um cenário irregular de câmeras e equipamentos de filmagem, que muitas vezes não ficavam com o foco corretamente ajustado para pegar todas as cenas, ou sem bons registros sonoros, o que gerou diversos takes sem o tratamento adequado. 

O primeiro local escolhido para as filmagens dos ensaios, o Twickenham Studios, um velho galpão utilizado por equipes de TV e cinema em Londres, era gélido e desconfortável, possuía uma acústica horrível para os padrões dos Beatles, e acabou também dando uma tremenda dor de cabeça na montagem dos sistemas de som e luz. Em questão de duas semanas, o grupo e as equipes de filmagem e gravação voltariam para o habitat natural da banda: os estúdios da Apple-EMI, onde regularmente ensaiavam e gravavam seus discos.

Foi ali que eles decidiram, num belo dia frio e cinzento, tipicamente londrino, subirem no topo do prédio da Apple e ali realizar seu último show, para ser incluído no filme - uma ideia bastante prática e inusitada, já que ninguém conseguia chegar a um consenso sobre locais para voltarem a tocar, num momento lendário posteriormente imitado por diversos artistas em "shows surpresa" ao redor do mundo, e que se tornou folcloricamente conhecido como The Beatles Rooftop Concert ("o concerto dos Beatles no terraço").



O lendário concerto em cima do telhado

Apesar de todos os percalços, as sessões acabaram gerando uma extensa coleção de gravações de áudio e vídeo de qualidade bastante variável em todo o projeto, mas que foram todas mantidas e guardadas para posterior seleção pelo diretor e banda. Foram juntadas mais de 55 horas de material inédito, naquele que o foi o mais bem documentado trabalho realizado pelos Beatles, em sua carreira.

Ao final de todo um período de 4 exaustivos meses, os Beatles demonstraram insatisfação com o material produzido e resolveram engavetá-lo - mas um ano depois, já durante o período de separação deles, Lindsay-Hogg conseguiu a permissão da banda para fazer uma compilação daquilo que ele considerava melhor, e lançá-la na forma do documentário Let it Be (mesmo nome do disco), que se tornou notório como o último filme dos Beatles, e que registra a gravação do que seria seu último álbum, póstumo.

Ainda que com qualidade de filmagem e som irregulares, devido aos fatores aqui já comentados, acabou ganhando o Oscar de melhor filme musical de 1970.

Agora, saber que o genial Peter Jackson vai reaver o projeto, e restaurá-lo com a qualidade técnica superior à qual ele já é habituado em seus filmes de sucesso, é uma notícia danada de boa!

A empresa de Jackson, a neozelandesa WingNut Films, criou recentemente um incrível documentário com imagens digitalmente restauradas sobre a Primeira Guerra Mundial, They Shall Not Gow Old, e já anunciou que vai utilizar todas as técnicas possíveis de recuperação e melhoria de imagem e som também no material dos Beatles.

A intenção é oferecer ao público um espetáculo bem próximo da ideia original de Paul, que era colocar os fãs o mais próximo possível deles nos estúdios, de forma realista, como se fossem "moscas na parede", observando tudo.

E certamente, agora, será com uma qualidade excepcional.

Junto com o trabalho de restauração do cineasta, será relançado também o filme original  Let it Be, digitalizado e remasterizado da mesma forma por Jackson e sua equipe - ou seja, numa versão melhorada nunca antes vista pelos fãs da banda.

A previsão de chegada às telas desse sensacional trabalho, para os amantes da boa música e admiradores dos eternos garotos de Liverpool, é para maio de 2020!

Aguardemos.

Até lá, curta aí um dos grandes lances desse momento lendário do grupo: "Don't Let Me Down", em performance única registrada no concerto do terraço.

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