sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

A GUERRA... EM SONS QUE ENTRARAM PRA HISTÓRIA


A fúria da guerra. E a fúria do rock.


Sempre acompanhou o instinto humano uma natural tendência dos seres para exercerem sobre outrem o poder de suas vontades, e matando se for preciso. Ganância, dinheiro e dominação: os germes do ego que sempre contaminaram as grandes relações político-sociais de nossa História foram responsáveis por processos de destruição em massa que, a pretexto de tomar território para monopolizar, terminaram por invariavelmente promover a riqueza de uns em detrimento da morte e desgraça de tantos outros, bem como um imoral controle demográfico.

Por outro lado, o som rítmico alucinante e por vezes distorcido, gerado pelo casamento de guitarras, baixo, bateria e vozes rasgadas e desafiadoras, ofereceu cama confortável para que fossem entoados versos denunciantes dessa nua e crua verdade existencial: o homem não vive sem guerra.

Volta e meia, há sempre algum conflito armado explodindo por aí.

E nenhum outro estilo musical conseguiu falar tão bem sobre as epopeias bélicas que já flagelaram tantos povos, como esse tal de "roquenrou".

Nosso blog preparou, a seguir, uma memorável lista de 15 clássicos que versaram sobre esses confrontos armados entre nações - a maioria deles, é fato, situada em meio à triste realidade da famigerada Guerra do Vietnam (1964-1975), visto que uma grande parte são canções produzidas durante a época do conflito, e sob a sua ótica.

Claro que tem muita coisa que ficou de fora desta seleção: menções honrosas nos sugerem a famosa "Civil War" (1991), dos Guns N' Roses, ou mesmo "Paint it Black"(1967), dos Rolling Stones. Mas não entraram pois, enquanto a primeira aborda muito mais uma situação de caos social, gerada por sentimentos angustiantes de veteranos e ufanismo dentro do seu próprio país (EUA), a segunda não trata sobre a guerra em si, especificamente, em sua letra, mas se tornou notoriamente ligada ao tema simplesmente por ter sido utilizada como trilha sonora principal da antiga série de TV Combate

Mas, caro(a) leitor(a), caso tenha sugestões para debatermos sobre uma próxima listagem, em um próximo post, mande aí nos comentários.

Som na caixa (e bala no pente)...

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1- BROTHERS IN ARMS (1985) - Dire Straits:
Início da década de 80. O governo Reagan liderava uma campanha de ufanismo republicano em todos os EUA, se posicionando contra os palestinos, e o grupo norte-americano Dire Straits, sob a tutela do genial guitarrista/vocalista Mark Knopfler liderava as paradas, desde que haviam despontado com o hit "Sultans of Swing", em 1979. De repente, eles lançam um dos melhores álbuns da década: Brothers in Arms, cuja canção-título carregava as cores da melancolia e do descontentamento com a política bélica de Tio Sam. Foi uma porrada na cara, e uma afirmação do grupo como força musical, e de Knopfler - um ás em seu instrumento - como compositor. Impossível não ouvir esse hino contra a guerra até hoje e não se emocionar: o andamento lento e compassado, emoldurado por camadas de teclados climáticos, reforça a explosão de alguns dos mais belos solos de guitarra já gravados, expressando o sentimento de soldados que veem seus colegas tombando feridos nos campos de batalha. 


2 - HOLIDAY IN CAMBODIA (1983) - Dead Kennedys:
Também na contramão dos movimentos ufanistas dos EUA nos anos 80, a banda punk Dead Kennedys se notabilizou por performances alucinadas e letras ácidas, onde seu líder, o extravagante Jello Biafra, desfilava críticas cáusticas sobre o modo de vida americano e suas hipocrisias. O sucesso da neurótica "Holiday in Cambodia", um dos primeiros singles do grupo, elevou Biafra ao status de um dos principais ativistas políticos do rock. Com sua batida psicótica e guitarras faiscantes, ele satiriza as ilusões de heroísmo criadas nas jovens mentes de quem foi para o Vietnam.


3 - THE UNKOWN SOLDIER (1968) - The Doors:
O mítico Jim Morrison compôs esta elegia sobre a guerra para integrar o terceiro álbum de seu grupo The Doors, Waiting for the Sun - e ela veio acompanhada de um projeto multimídia novo, já que ele e seu colega, o tecladista Ray Manzarek, haviam cursado cinema na UCLA (California), e tinham um pezinho na sétima arte: um dos primeiros videoclipes da história, para promover o lançamento do disco. "Unknown Soldier", portanto, carrega em cheio o estigma de Morrison durante toda a sua carreira - o de promover polêmica. Em pleno envolvimento dos EUA no conflito contra o comunismo no Vietnam, em uma de suas fases mais agudas (final dos anos 60), o vocalista e sua banda lançam essa irônica peça anti-guerra falando sobre o "soldado desconhecido", com a simulação de tiros de um pelotão de fuzilamento (que eles também reproduziam nas apresentações ao vivo), e a mórbida descrição de corpos moribundos nos campos de batalha, sendo exibidos na televisão. Resultado: tanto o clipe (cuja versão original você vê logo acima) quanto a música, foram censurados em várias partes dos Estados Unidos.


4 - ONE (1988) - Metallica:
Inspirada no trágico romance Johnny Vai à Guerra (1939), do escritor Dalton Trumbo, "One" é um dos maiores épicos do Metallica, e reflete fielmente toda a crueldade e bestialidade da guerra, ao retratar o drama de um jovem que, após ser atingindo por um bombardeio em uma trincheira durante a Primeira Guerra Mundial, fica sem os braços e pernas, e sem poder ver, ouvir e falar, mas ainda vivo e sentindo, numa verdadeira prisão física, implorando para morrer. Enquanto no livro o absurdo da situação é tratado com extrema sensibilidade, na música, a banda retrata tal horror com brilhantismo técnico e lírico na parte inicial, bastante melódica, para depois descer o pau - a bateria de Lars Ulrich reproduz com perfeição tiros de metralhadora, neste que é um dos maiores clássicos do thrash metal de todos os tempos. James Hetfield vociferando "Trapped in myself / Body my holding cell" (Preso em mim mesmo / Meu corpo é minha cela) ainda vai ficar durante muito tempo na memória de muita gente... O videoclipe da música - o primeiro produzido pelo grupo - contém cenas do filme baseado no livro, de 1973.


5 - ANGEL OF DEATH (1986) - Slayer:
"Anjo da morte" era o apelido dado ao carrasco nazista Joseph Mengele, que promoveu inúmeros experimentos científicos sádicos com os judeus em campos de concentração na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial. O ataque tonitruante do Slayer, uma das mais brutais bandas metal da história da humanidade, dá o tom perfeito a esse pesadelo bélico da carnificina, a partir do nervoso ataque vocal do baixista Tom Araya. É a música que abre o aclamado disco do grupo de 1986, Reign in Blood.


6 - I FEEL LIKE I'M FIXING TO DIE (1968) - Country Joe & The Fish:
O Festival de Woodstock, em agosto de 1969, celebrizou alguns dos maiores artistas da era flower power, que tiveram a chance de dar ali o seu recado direto, ao vivo, para uma juventude hippie que não entendia os motivos da guerra e da violência de um modo geral. Neste contexto, o grupo do anárquico Joe McDonald, nascido e crescido no politicamente efervescente ambiente contestador da Universidade de Berkeley, tomou o palco, para cantar em ritmo folk sobre as agruras dos marines que estavam indo morrer, sem bem saber porquê, no Vietnam.


7 - ERA UM GAROTO QUE COMO EU AMAVA OS BEATLES E OS ROLLING STONES (1967) - Os Incríveis:
O representante brasileiro nessa categoria que compilamos aqui vem da fina flor da Jovem Guarda, mas a canção original era uma composição de Gianni Morandi, que fez muito sucesso na Itália em 1966, e como os artistas brasileiros daquela época adoravam regravar sucessos da terra da pizza, coube aos Incríveis - um dos mais longevos grupos do rock nacional - a versão para este clássico pacifista, que já abre com uma matadora rajada de metralhadoras nos ouvidos. O dedilhado clássico de guitarra elétrica é uma herança direta dos sons californianos de bandas como The Byrds, e essa cover dos Incríveis se notabiliza pela paixão e entrega com que os rapazes a executam, ainda a incrementando com teclados Farfisa fantásticos e ritmo de marcha, para ironizar a trajetória do garoto que deixa de usar cabelos longos e nem toca mais a sua guitarra, mas um instrumento que sempre dá a mesma nota... ra-tá-tá-tá. Também regravada, com bastante êxito, pelo grupo Engenheiros do Hawaii, em 1990.


8 - 1916 (1992) - Motorhead:
Uma atípica e melancólica valsa marcial para uma banda tão louca e metaleira como a do falecido baixista e vocalista Lemmy Kilminster, o Motorhead, só se explica pelo fato de que é uma homenagem às lembranças de veteranos da Primeira Guerra Mundial, sendo que Lemmy era um entusiasta, profundo conhecedor e colecionador, de itens dessa e da Segunda Guerra Mundial. Faz parte do álbum homônimo, lançado em 1992 - um dos melhores do grupo, em minha modesta opinião. Entra nessa lista bem a título de curiosidade mesmo, além de ser uma bela canção.


9 - WAR PIGS (1970) - Black Sabbath:
Hino da banda original de Ozzy Osbourne - e que eu considero uma das mais perfeitas canções de heavy metal já feitas, por suas mudanças de andamento, viradas e solos - faz parte do segundo disco da banda, a obra-prima Paranoid, e nasceu de alguns improvisos no estúdio, com uma letra diferente. A versão final, em que Ozzy compara os generais e grandes senhores da guerra a porcos no chiqueiro, brincando com suas tropas como se fossem peças de um tabuleiro de xadrez, é uma das imagens mentais mais fortes que a crítica do rock às guerras poderia urdir. Depois, ainda dizem que rock pauleira é coisa de alienado! Vá interpretar as letras, caramba...



10 - SOLDIER OF FORTUNE (1974) - Deep Purple:
A contribuição de um dos maiores nomes do hard rock setentista para o tema é, na verdade, uma declaração de amor do vocalista David Coverdale para os sentimentos das almas errantes de veteranos que não tem um lugar para onde ir senão a guerra. Nessa interessante analogia entre tempos de batalha e paz em corações andarilhos, se destaca a guitarra inebriante do gênio Ritchie Blackmore, em um dos seus últimos trabalhos com o grupo em sua fase áurea.


11 - US & THEM (1973) - Pink Floyd:
A obsessão do líder e baixista Roger Waters pelo evento que marcou e traumatizou a sua infância - a Segunda Guerra Mundial - seria amplamente explicitada em álbuns posteriores do Pink Floyd, como The Wall (1979) e Final Cut (1982). Mas já no mítico Dark Side, de 1973, tal tema aparece nessa pérola, uma bela e pungente canção sobre a insensatez dos conflitos armados. Com um clima estratosférico enlevado pelo lindo piano de Richard Wright, e os vocais angelicais de David Gilmour cantando sobre a loucura dos humanos ao se esquecerem de como são iguais uns aos outros durante conflitos armados, surge a presença de um majestoso coral em seu eloquente refrão, e a banda explora mais uma das horrorosas faces da insanidade moderna, em um disco recordista de vendas que é justamente sobre isso.


12 - PIPES OF PEACE (1983) - Paul McCartney:
A doçura melódica do mais musical dos Beatles fez com que ele seguisse a "luz" pacifista de seu velho e falecido colega John Lennon, para compor e lançar uma das mais belas homenagens ao fim das guerras entre os povos. "Pipes of Peace", música que dá título ao mesmo disco de Paul de 1983, foi puxada nas rádios e TVs por este belo videoclipe, em que ele exalta um momento em que os soldados, em lados contrários nos campos de batalha, parem de matar uns aos outros para celebrar o amor pelos entes queridos, e se enfrentar não com balas e tiros de canhão - mas com uma singela e amistosa bola de futebol. "Help them to see / That the people here are like you and me" (Ajude-os a ver / Que as pessoas aqui são como eu e você).


13 - GIVE PEACE A CHANCE (1969) - John Lennon:
A grande virada na vida de John Lennon - o momento em que ele dá largada à sua carreira solo largando Beatles e tudo para trás, para se enfurnar com a artista japonesa Yoko Ono em um quarto de hotel de Amsterdam e protestar pela paz. Um dos maiores cânticos pacifistas de todos os tempos foi gravado na base do improviso mesmo, com um violãozinho, palmas de amigos e jornalistas que estavam cobrindo a grande hype de ver um Lennon barbudo, com sua nova esposa, assumir seu lado político e messiânico de profeta anti-sistema, e tudo acompanhado por um coralzinho budista: "Give Peace a Chance" estava pronta para a posteridade.


14 - FORTUNATE SON (1968) - Creedence Clearwater Revival:
Grupo representativo do final da década de 60, o Creedence mantinha em suas bases musicais um som tradicional de country rock sob a voz rascante de John Fogerty, seu lendário líder. Mas de vez em quando, eles mostravam que também sabiam fazer protesto contra a guerra: "Fortunate Son" é um tapa na cara da família norte-americana conservadora, que achava sinônimo de orgulho mandar os seus filhos para os horrores do Vietnam.


15 - STAR SPANGLED BANNER (1969) - Jimi Hendrix:
A masterpiece de todas as críticas musicais contra a Guerra do Vietnam - e todas as guerras, em geral - não é uma música cantada. Muito menos uma composição pop original, feita por uma banda contemporânea. Não, nada disso. O maior protesto anti-bélico de todos os tempos foi, e continuará sendo, a rendição épica e inesperada do hino nacional dos EUA, "The Star Spangled Banner", feita pelo maior dos guitarristas, Jimi Hendrix, em sua apresentação no Woodstock Festival, de 1969. No meio de uma jam alucinada com sua nova banda na época (Gypsy Sun & Rainbows), em que foi emendando alguns de seus maiores sucessos, Hendrix recria, durante cerca de 3 minutos e 40 segundos, o tradicional hino do Tio Sam, cometendo a ousadia de distorcer o mesmo nota por nota com seus pedais wah, octave e delay, criando efeitos sonoros inesquecíveis que simulavam o barulho de bombas napalm e morteiros, os motores de helicópteros, e os uivos lancinantes de dor dos soldados morrendo. Sem cantar ou dizer uma palavra sequer, Hendrix pintou a perfeita paisagem, sonora e aterradora, de um conflito vazio e sem sentido no qual o seu país se meteu, gastando milhões de dólares, e ceifando milhares de vidas. Era a última apresentação em Woodstock, encerrando com chave de ouro aquele festival sobre "paz e amor".

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